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Português percorre 101 países de bicicleta

Leitor Rui Silva conta-nos a sua aventura em África.

07 de março de 2016 às 10:42

"Por mais que planeemos uma viagem a África, nunca sabemos o que nos espera do outro lado do continente e foi precisamente o que aconteceu nesta viagem.

Chego ao aeroporto de Acra no Gana, e sou preso por não ter visto, nem carta de convite para entrar no país. De posto em posto de emigração sou interrogado pelos oficiais como se fosse um clandestino ou um refugiado. Levam-me para uma sala onde está um nigeriano algemado e quando olho à minha volta, apenas fotos de fugitivos nas paredes e algemas por todo o lado.

Terei de passar a noite num cubículo minúsculo sem comida e sem água.

No dia seguinte iria ser deportado de volta para Portugal. A minha sorte foi que o voo de regresso para Istambul estava cheio e lá me deixaram entrar no Gana.

Compro uma bicicleta, preparo tudo e tendo já alguma experiência em África, decido comprar alguma comida e bastante água antes de partir. Ainda bem que comprei alguma comida. Nalgumas aldeias onde encontrava uma barraca para comer, não tinha coragem de comprar a comida pelo aspeto horrível que esta apresentava e muitas vezes nem conseguia perceber o que era.

Sabia que com um dia de atraso teria que pedalar muito mais, mas não estava a ser fácil. O peso que carregava na bicicleta com as malas, comida e garrafas de água não ajudava nada. O calor era insuportável. Estavam quase 40 graus.

Os ganeses são um povo bastante simpático, contudo percebi que fumar neste país não lhes agrada nada e reclamavam sempre que me viam a fumar.

Todo o caminho até ao Togo é feito ao longo da costa e entrar neste país é relativamente fácil, já que se pode obter o visto na fronteira.

Chego ao Togo, e apesar de toda a felicidade por este ser o país número 100, tenho uma má notícia. Para entrar no Benim terei que ir à embaixada e esperar 48 horas para seguir viagem. Sabia que com dois dias de espera nunca iria ter tempo para chegar à Nigéria. Próximo objetivo: pelo menos chegar ao Benim.

Durante estes dois dias de espera deu para conhecer um pouco do Togo e aventurar-me pela primeira vez num táxi em África. E sim, é mesmo preciso esperar que o táxi esteja cheio para seguir viagem ou então pagar os sete restantes lugares.

Tirar fotografias às vezes tornava-se complicado ou mesmo impossível, já que no Togo muitas pessoas acreditam em vidas passadas e acham que tirar uma fotografia lhes vai roubar a alma. Sempre que me viam com a máquina fotográfica reclamavam e escondiam a cara com as mãos.

Após dois dias de espera vou à embaixada para levantar o meu passaporte e percebo que há quem tenha obtido o visto no próprio dia por terem dado algum dinheiro à embaixadora.

África é mesmo isto. Não falo da ingenuidade do povo, mas sim dos polícias e militares que tentam sempre ganhar algum dinheiro extra.

Por várias vezes ao longo do caminho fui mandado parar e eles implicavam com a coisa mais absurda que possa existir, dizendo que algo estava mal. Tentava sempre ter calma e ia brincando sempre com um sorriso até eles me mandarem embora. Fui-me apercebendo que o melhor era fazer de conta que nem falava francês e assim eles nem chateavam.

Após um dia a pedalar pelo Togo chego finalmente ao Benim. Passo a fronteira, entrego a bicicleta a uma criança e sigo num táxi até Porto Novo. Acaba assim esta pequena jornada por terras africanas.

Apesar de alguns percalços e imprevistos, o que nos faz mover e seguir em frente são os sonhos.

Acabamos por conseguir ultrapassar todos os obstáculos, porque simplesmente sonhamos. Houve momentos em que seria mais fácil desistir de tudo. Deixar simplesmente a bicicleta na estrada, apanhar um táxi até um hotel onde poderia comer algo de jeito e tomar um banho.

Seria tudo mais simples, mas não. Eu quero fazer isto e vou fazer porque quero estar com as pessoas. Quero sentir e viver o que estas pessoas sentem e vivem. E no final levamos para casa um monte de histórias para contar que recordaremos sempre com um sorriso, desde pedidos de casamentos aos sorrisos mais puros e ingénuos do povo africano.

Cada viagem que fazemos é uma aprendizagem. Acabamos por dar mais valor à vida quando olhamos para o lado e percebemos que afinal vivemos num paraíso. Temos tudo, mas nunca estamos satisfeitos. Aqui, as pessoas não têm nada e o pouco é muito."

Rui Daniel Silva

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