Prosa: É disto que a vida é feita
Um dia, percebi que me ia magoar algumas vezes durante a vida e que não havia nada que pudesse fazer para evitar isso.
Um dia, percebi que me ia magoar algumas vezes durante a vida e que não havia
nada que pudesse fazer para evitar isso. Foi, talvez, o atravessar do mundo "cor-derosa"
para o verdadeiro mundo onde me encontro. Onde nos encontramos todos. Todos
nós seremos indiscutivelmente magoados por alguém ou por algo. É um dos efeitos
secundários de se estar vivo. Resta-nos apenas aprender a lidar com isso da melhor
forma, se é que existe uma boa forma de lidar com a desilusão e com o sofrimento que a
ela está relacionado. Percebi também que muitas pessoas só se importam comigo
quando precisam de alguma coisa. Não significa, necessariamente, que sejam más
pessoas por isso. Eu compreendo que não seja alguém fácil de gostar e de lidar, com
quem muita gente se importa e por quem valha a pena sofrer. Se eu não fosse eu, talvez
também não me importasse, mas nunca me deram uma oportunidade para escolher. Por
isso, dou valor a quem se importa verdadeiramente e a quem, apesar de tudo, está
comigo. Aprendi que somos todos um pouco egoístas e que muitas vezes fazemos
coisas por nós próprios, a tentar acreditar que as fazemos pelo bem dos outros. Faz parte
da condição humana.
Sofri e fiz sofrer. Não tenho dúvidas que irei sofrer mais ainda e fazer outras
pessoas passar pelo mesmo. Não sou perfeita. Nesse aspeto não sou ingénua. A
perfeição é inalcançável e por isso tão desejada. Dar-me-ei a alguém, como se de um
objeto me tratasse e acabarei por segurar com mãos trémulas os pedaços que irão restar
de um coração que outrora me havia pertencido.
Para ser sincera, a ideia do sofrimento próprio não me atormenta tanto quanto
devia. Talvez seja bom. Talvez seja mau. Ainda não cheguei a uma conclusão. Irei estar
cá para ver. O que quero dizer é que com o meu sofrimento, posso eu bem lidar. Na
verdade, talvez não lide bem. Quem lida? Mas acabarei por arranjar sempre uma forma
de o ultrapassar. O que me atormenta é a ideia de ver as pessoas de quem eu gosto
sofrerem. Há momentos na vida em que nos sentimos completamente inúteis e sentimos também que nada do que possamos fazer vai mudar alguma coisa. Esse é um deles.
Atormenta-me a ideia, por exemplo, de ver as minhas amigas terem o seu coração
despedaçado por um estúpido qualquer. Não suporto a ideia que alguém parta o coração
àqueles que eu amo. Claro que não quero desiludir-me, ser magoada e sofrer por amor.
Não me interpretem mal, não quero. Ninguém, no seu perfeito juízo, quer. Seria
masoquismo. Sei que é inevitável, mas isso é outra coisa. O que eu quero dizer é que
quando se trata de mim, daquilo que eu sinto e daquilo que eu sofro, parece tudo mais
fácil, porque a superação só depende de mim e da minha força. Quando as "vítimas" são
as pessoas de quem eu gosto, o assunto muda de figura e tudo se complica. Sinto-me
completamente inútil, porque tudo o que possa fazer pouco ou nada aliviará aquilo que
sentem. Por mais que possam dizer o contrário, eu acredito que ninguém consegue viver
feliz sem amizades. São-nos indispensáveis para sermos felizes e mentalmente sãos. É
verdade que há quem não consiga ser feliz mesmo tendo amigos, mas não creio que
quem não tenha amigos consiga ser feliz. A amizade por si só não basta, mas é "meio
caminho andado".
A vida é feita de criar e partilhar memórias, momentos e experiências. Trocar
sorrisos, beijos e lágrimas. Abraçar e ser abraçado, confortar e ser confortado…
Basicamente, a vida é um constante dar e receber na dose certa. Embora por vezes
possamos achar que damos mais do que o que recebemos, ou o contrário, eu quero
acreditar que, no fim, acabaremos por ter recebido o mesmo que demos. É essa crença
que nos faz continuar, que nos faz querer conhecer outras coisas e outras pessoas e
explorar mais o mundo e o nosso próprio ser, na busca infinita de algo que nunca
saberemos o que é. Se calhar, no final, conseguiremos perceber que esteve sempre
connosco, mas como alguém disse uma vez, o verdadeiro prazer está na busca e não no
que com ela se obtém. Por isso, embora tenha medo de sofrer, isso não me impede de
viver e de tentar encontrar o melhor das pessoas, porque sei que se algum dia ficar
deprimida porque me despedaçaram o coração, terei alguém que me fará um chá e
cantará uma música para mim até eu adormecer. E, certamente, serei a pessoa que
ocupará esse lugar quando os que mais amo precisarem que eu o ocupe. Sabem que
mais? É disto que a vida é feita.
Trabalho de Filipa Gonçalves Ribeiro, 16 anos, Amarante
Votação fechada. Vê os resultados na fanzine publicada com o Correio da Manhã de dia 26 de fevereiro. Entretanto, recordamos que o concurso é mensal e contamos com os teus trabalhos (vê aqui o regulamento).
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