O que se perdeu nas chamas que destruíram o Museu Nacional no Rio de Janeiro
Acervo do espaço tinha mais de 20 milhões de peças, muitas delas intimamente ligadas a Portugal.
A instituição, criada há 200 anos, foi fundada por D. João VI, de Portugal, e era o mais antigo e um dos mais importantes museus do país.
História de Portugal em destaque
Inevitavelmente, muito se perdeu neste incêndio também no que diz respeito à história de Portugal e genealogia. O espaço reunia uma enorme coleção de folhetos, livros e periódicos relacionados com o que acontecera no país desde a Antiguidade, bem como importantes coleções numismáticas onde se incluem moedas, selos, carimbos e medalhas da história em comum destas duas nações.
Entre os objetos mais raros que se podiam por lá encontrar estava a "Peça da Coroação", que foi cunhada a mando de D. Pedro I em 1822.
Já na zona da "visitação" do museu, para além dos canhões lusos que integram o "pátio dos canhões", há também uma exposição denominada "Portugueses no Mundo", onde se passa em revista "o processo de colonização" e as suas consequências económicas e culturais. Nesta parte, incluem-se peças ligadas "à navegação, às culturas de cana-de-açúcar e café", bem como às atividades nas minas. Para além disso, há também natural destaque para a chegada da corte portuguesa ao Brasil, bem como aos acontecimentos que culminaram com a independência do país e a Proclamação da República.
O próprio edifício do museu é uma peça da História que liga Portugal e Brasil: foi neste espaço que foi assinado o decreto de independência do Brasil, a 2 de setembro de 1822.
Fósseis humanos, memórias egípcias e cultura indígena debaixo do mesmo teto
Entre as peças do acervo estavam a coleção egípcia, que começou a ser adquirida pelo imperador D.Pedro I, e o mais antigo fóssil humano encontrado no Brasil, batizado de "Luzia", com cerca de 11.000 anos.
O Museu Nacional no Rio de Janeiro era o maior museu de História Natural e Antropologia da América Latina e o edifício tinha sido residência da família Real e Imperial brasileira.
Entre os milhões de peças que retratavam os 200 anos de história brasileira estavam igualmente um diário da Imperatriz Leopoldina e um trono do Reino de Daomé, dado em 1811 ao príncipe regente D. João VI.
Nas coleções de Etnologia estavam expostos objetos que mostravam a riqueza da cultura indígena, cultura afro-brasileira, culturas do Pacífico.
Segundo a edição brasileira do El País, o acervo tinha ainda o maior e mais importante acervo indígena e uma das bibliotecas de antropologia mais ricas do Brasil.
Instituição alvo de cortes há pelo menos três anos
A instituição, ligada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), era alvo de cortes orçamentários há pelo menos três anos.
Os alunos do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da universidade chegaram mesmo a criar 'memes' (imagens ou vídeos que se espalham de forma viral) em que mostravam fósseis à espera de verba, ironizando os cortes.
Em 2015, o museu chegou a ficar fechado por dez dias após uma greve de funcionários da limpeza, que reclamavam salários atrasados.
Nas redes sociais, investigadores, alunos e professores brasileiros partilham depoimentos, lamentando o ocorrido e atribuindo a tragédia aos cortes orçamentais dos últimos anos.
Uma "catástrofe insuportável"
O vice-diretor do Museu Nacional considerou o incêndio uma "catástrofe insuportável".
"O arquivo de 200 anos virou pó. (...) São 200 anos de memória, ciência, cultura e educação, tudo transformado em fumo por falta de suporte e consciência da classe política brasileira", afirmou o responsável, sublinhando: "O meu sentimento é de imensa raiva por tudo o que lutamos e que foi perdido na vala comum".
Segundo disse, no aniversário de 200 anos da instituição nenhum ministro de Estado aceitou participar da comemoração: "É uma pequena mostra do descaso", sublinhou.
O responsável adiantou ainda que a instituição estava aprestes a fechar uma negociação com o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES) que incluía um projeto de prevenção de incêndios.
Perda "incalculável"
Antes destas declarações, o Ministério da Educação brasileiro já tinha lamentado as consequências do incêndio no Museu Nacional, sublinhando que serão feitos todos os esforços para auxiliar a Universidade Federal do Rio de Janeiro, que geria o museu, a recuperar o património histórico.
Segundo a informação disponibilizada no site do museu, a atividade de memória da instituição estava representada sob a forma de acervo bibliográfico, científico e documental.
Do acervo bibliográfico faziam parte livros, folhetos, obras raras, mapas, teses e dissertações pertencentes à Biblioteca do Museu Nacional e da Biblioteca Francisca Keller, do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social (PPGAS), e do acervo científico diversos exemplares representativos da biodiversidade, fósseis, objetos etnográficos e arqueológicos, pertencentes aos Departamentos de Antropologia, de Botânica, de Entomologia, de Geologia e Paleontologia, de Invertebrados e de Vertebrados.
Já o acervo documental era constituído por material de arquivo detido pela Seção de Memória e Arquivo (SEMEAR) e pelo Centro de Documentação em Línguas Indígenas (CELIN).
O presidente do Brasil, Michel Temer, reagiu, em comunicado, considerando a perda "incalculável".
"Incalculável para o Brasil a perda do acervo do Museu Nacional. Hoje é um dia trágico para a museologia do nosso país. Foram perdidos duzentos anos de trabalho, pesquisa e conhecimento. O valor para a nossa história não se pode mensurar, pelos danos ao prédio que abrigou a família real durante o Império. É um dia triste para todos brasileiros", afirmou.
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