Antiga prisão da PIDE em Maputo vai ser museu-hotel após décadas de abandono

Obra no edifício está prevista num concurso em duas etapas, segundo o mesmo documento.

26 de outubro de 2025 às 12:06
Antiga prisão da PIDE em Maputo Foto: LUISA NHANTUMBO/Lusa_EPA
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O abandonado edifício Vila Algarve, imóvel classificado no centro de Maputo e que serviu como prisão da PIDE no período colonial, vai ser transformado em museu-hotel, segundo informação do Governo moçambicano consultada este domingo pela Lusa.

De acordo com um anúncio de adjudicação, o Ministério dos Combatentes entregou à empresa Giluba-Lin o projeto de "elaboração, requalificação do edifício e exploração de atividade museu-hotel do edifício denominado por Vila Algarve".

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A obra no edifício, em avançado estado de degradação, no número 10 do cruzamento das avenidas dos Mártires de Machava e Ahmed Sekou Touré, centro de Maputo, está prevista num concurso em duas etapas, segundo o mesmo documento.

Atualmente, todas as entradas da vivenda construída em 1934 no coração de Maputo, ampliada em 1950 e este domingo classificada como Imóvel de Interesse Arquitetónico, estão entaipadas e protegem o interior da ocupação por pessoas em situação de sem-abrigo, como já aconteceu em anos anteriores.

Da imponente vivenda no centro de Maputo, decorada por extensos mosaicos com motivos naturalistas, sobram este domingo pouco mais do que paredes, tetos e telhados, mas também histórias sombrias do período colonial, quando a Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE) a confiscou, passando a usá-la como local de tortura de então combatentes pela independência moçambicana. Histórias como as que o poeta moçambicano José Craveirinha (1922-2003) retrata nos seus poemas "Não sei se é uma medalha" de 1967, e nas duas versões de "Vila Algarve", de 1988 e de 1998, sobre o período em que ali esteve detido, com passagem pelo interrogatório da PIDE.

 Em 25 de junho de 1975, Moçambique proclamou a sua independência, mas nos anos seguintes o abandono, a degradação e os 'fantasmas' em torno do que ali se passou tomaram conta da Vila Algarve e até a Ordem dos Advogados de Moçambique tentou, sem sucesso, em 2008, fazer do espaço a sua sede. Património do Estado, já foi equacionado em 2011 ali instalar o futuro Museu da Luta de Libertação, mas como todos os outros projetos, não avançou.

 Mesmo Joaquim Chissano, Presidente moçambicano de 1986 a 2005, tentou, quando era ministro dos Negócios Estrangeiros, no primeiro do Governo do novo país, colocar ali aquele ministério. "Tentei utilizar a Vila Algarve. Não fui bem compreendido.

 E, então, depois passaram outras entidades que queriam utilizar a Vila Algarve, e o intuito era preservar o lugar. No meu tempo, era para fazer daquilo um ambiente de paz, de solidariedade, ou o próprio ministério. Como não tínhamos casas adequadas na altura, era uma maneira de preservar", recordou em junho, à Lusa, o antigo Presidente da Republica. "E sempre quis que também os combatentes da Luta de Libertação Nacional estivessem lá, como sua sede.

Não conseguimos, por várias interpretações. Oxalá que haja alguém que consiga realmente restaurar e preservar esta peça histórica. É uma peça histórica muito importante", desabafou Chissano. Fantasmas do passado que continuam a pairar na Vila Algarve, cujo abandono o historiador Marlino Mubai, professor na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), não compreende. "Está intimamente ligado à história de Moçambique do ponto de vista da luta contra a dominação colonial, fascista em particular", contou o historiador, numa entrevista anterior à Lusa, lamentando sucessivos projetos e intenções falhadas.

Como local que "une" Moçambique e Portugal, Mubai defendia já então que os dois países deviam unir esforços, como de resto chegou a ser admitido no passado: "Pudessem reabilitar aquele espaço que lembra, efetivamente, um passado muito difícil dos dois povos, mas que, a partir daí, se forjaram novas alianças de irmandade entre os povos que este domingo continuam a alimentar a diplomacia moçambicana e portuguesa".

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