Avô de 67 anos procura todos os dias quem possa amamentar a neta

Bacar Aine, deslocado de guerra em Cabo Delgado, perdeu uma filha e agora não tem como alimentar a neta, bebé de sete meses.

30 de janeiro de 2022 às 08:27
Crianças e jovens em Cabo Delgado Foto: Getty Images
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Bacar Aine, 67 anos, deslocado de guerra em Cabo Delgado, norte de Moçambique, perdeu uma filha e agora não tem como alimentar a neta, bebé de sete meses, numa crise humanitária em que a ajuda continua subfinanciada.

Outros dos netos de Bacar seguem o exemplo dos adultos e, quando falta algo melhor, "comem folhas", moídas e juntas num caldo feito na fogueira no campo de acolhimento 3 de Fevereiro de Murrebué, distrito de Mecufi, litoral da província de Cabo Delgado.

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Ali estão dezenas de famílias que deixaram as suas terras para procurar zonas seguras, livres de grupos insurgentes, mas onde raramente a ajuda humanitária mata a fome, descreve.

A bebé de sete meses precisa de mamar e o avô tem se socorrido de outras mães do centro de acolhimento, que a pegam ao colo e lhe dão o peito.

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"Passo nas famílias onde alguém lhe pode dar de mamar", descreve, angustiado pela falta de perspetivas.

"O que é que eu tenho de fazer com as crianças? Ou devem morrer todas como aconteceu com a mãe? Porque para apanhar comida é muito difícil", desabafa, chorando, sem saber por onde começar.

A Lusa tentou obter esclarecimentos do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) em Cabo Delgado sobre este tipo de situação, mas não obteve resposta.

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Por outro lado, o Programa Alimentar Mundial (PAM) tem falta de fundos para matar a fome a cerca de um milhão de pessoas que precisam de alimentos só em Cabo Delgado, de acordo com os últimos dados daquela agência das Nações Unidas.

O défice ronda 5% a 20% das necessidades, com perspetiva de se agravar depois de março, período após o qual o PAM só tem hoje garantido menos de um quinto do apoio financeiro.

"Devido a recursos limitados, o PAM fornece cabazes bimensais equivalentes a 39% das necessidades energéticas diárias desde julho de 2021", justificou a agência das Nações Unidas.

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As autoridades locais dizem estar a fazer o que podem, mas dependem dos parceiros internacionais.

"Estou a pedir socorro, para salvar estas crianças", resume Bacar.

O martírio do avô começou em 2020, ano em que ele e a família tiveram de fugir juntos da casa onde viviam em Quiterajo, distrito de Macomia, por causa dos ataques armados de grupos insurgentes. 

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Ele, a esposa, cinco filhos e netos passaram meses em fuga pelo mato e outras aldeias até chegarem à capital provincial, Pemba, mas as dificuldades no acesso a comida obrigaram-nos a continuar em marcha.

Fixaram-se no centro de reassentamento 3 de Fevereiro, em Murrebué, 35 quilómetros a sul de Pemba, mas a fuga já tinha fragilizado a saúde de todos.

A filha mais velha de Bacar ficou doente e morreu em setembro de 2021.

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Deixou cinco filhos menores, incluindo a bebé de sete meses.

Estima-se que cerca de metade dos 800 mil deslocados do norte de Moçambique sejam crianças e jovens, refletindo a estrutura etária do país em que cada mãe tem, em média, cinco filhos.

A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas aterrorizada desde 2017 por rebeldes armados, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

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Desde julho, uma ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) permitiu aumentar a segurança, recuperando várias zonas onde havia presença de rebeldes, mas confrontos localizados persistem.

 

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