Garzón abandona tribunal a chorar
O juiz espanhol Baltasar Garzón, que enfrenta três processos na Justiça, abandonou ontem a Audiência Nacional em lágrimas, depois de ter sido suspenso provisoriamente pelo Conselho Geral do Poder Judicial (CGPJ).
O superjuiz, como é conhecido, pelas causas internacionais que abraçou, soube que tinha sido suspenso por telefone. Estava a ouvir uma testemunha num caso de corrupção urbanística na Catalunha e interrompeu a audiência para atender um telefonema urgente do CGPJ. Terminou a audiência e preparou-se para partir. Quando saiu, esperavam-no dezenas de colegas e funcionários do tribunal. Garzón acercou-se deles e a emoção transbordou, com abraços, lágrimas e aplausos. Rosário Molina, a mulher, também lá estava e ouviu os apoiantes gritarem "Garzón, tranquilo, o povo está contigo."
A suspensão, ditada por unanimidade, surge depois de o Supremo Tribunal ter ordenado a abertura do julgamento contra Garzón, por este ter aceitado investigar crimes do Franquismo. Cabe agora à Comissão Permanente do CGPJ avaliar um pedido de transferência do juiz para o Tribunal Penal da Haia.
APONTAMENTOS
GOVERNO
A vice-primeira-ministra María Teresa de la Vega afirmou que o governo respeita a decisão do CGPJ, mas insistiu que respeita também a presunção de inocência de Garzón.
SALÁRIO
Garzón vai passar a receber apenas o salário-base, que é de cerca de 2000 euros/mês.
MOBILIZAÇÃO
Garzón foi o tema mais comentado no Twitter. Apoiantes convocaram através da rede uma concentração de apoio ao juiz.
ÓRGÃO MARCADO PELA INFLUÊNCIA POLÍTICA
O Conselho Geral do Poder Judicial é um órgão institucional criado em 1980 e cujo principal objectivo é avaliar os juízes e garantir a sua independência. Presidido pelo presidente do Supremo Tribunal, o CGPJ tem 20 vogais, 12 dos quais eleitos entre juízes e magistrados de todas as categorias, e oito entre juristas de prestígio, designados pelo Congresso e pelo Senado. Nos 30 anos de existência, tem sido um órgão muito influenciado pelas forças partidárias. A convocatória sobre Garzón foi pedida por sete dos vogais designados pelo Partido Popular.
DISCURSO DIRECTO
"NÃO VEJO COM BONS OLHOS AS AMNISTIAS"
Correio da Manhã – Era possível em Portugal a suspensão de um magistrado como aconteceu em Espanha a Baltazar Garzón?
João Palma – Sim, segundo sei, ainda sem me ter inteirado dos pormenores mais recentes do caso, o que se passou foi uma medida cautelar num procedimento disciplinar, igual ao que aconteceria em Portugal em circunstâncias semelhantes. A decisão foi tomada pelo Conselho Geral do Poder Judicial de Espanha, a que corresponde no nosso País o Conselho Superior de Magistratura Judicial. Para o Ministério Público, a instância competente seria o Conselho Superior do Ministério Público.
– O que está na base do assunto é amnistia dos crimes do franquismo. Em Portugal, não houve nenhuma amnistia do género. Acha vantajoso?
– Todas as amnistias são, por princípio, de evitar e surgem sempre em resultado de vontade política. Apesar de não as ver com bons olhos, sejam deste género ou de outro, compreendo que possam ser a melhor forma de se esquecer alguns traumas históricos.
– O que aconteceria se levantassem em Portugal um processo a crimes da ditadura de Salazar?
– O que aconteceu antes do 25 de Abril de 1974, há 36 anos, já está prescrito. Mas julgo que não se podem comparar os traumas provocados pela Guerra Civil de Espanha, e consequente repressão dos derrotados, com os casos registados em Portugal. Estes dificilmente poderiam ser considerados crimes contra a Humanidade, que foi a questão levantada em Espanha.
– Mas lá houve uma amnistia...
– Compete sempre aos tribunais deliberar à luz da legislação em vigor se há ou não lugar a acusação.
– Como também não houve amnistia, admite que a justiça nacional possa acusar guinienses, angolanos ou moçambicanos por crimes contra portugueses?
– Não vislumbro essa hipótese.
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