José Manuel Pavão diz que "Nino" Vieira merece reconhecimento do seu lugar na história da Guiné-Bissau
Presidente guineense morre a tentar escapar da sua casa e depois de ferido a tiro, é atacado com repetidos golpes de arma branca.
O cônsul honorário da Guiné-Bissau no Porto, José Manuel Pavão, lamentou que o falecido presidente guineense "Nino" Vieira, assassinado faz este sábado 15 anos, continue sem ter um memorial que perpetue a sua vida e história.
"Ele foi, de facto, uma figura icónica na história recente da Guiné-Bissau", defendeu, em entrevista à agência Lusa, o médico José Manuel Pavão, que privou com o antigo Presidente, e lamenta a instabilidade por que tem passado a Guiné-Bissau.
A instabilidade que tem sido recorrente na Guiné-Bissau "prejudica muito o país", disse, e acrescentou: "Estamos falar de um país pequeno. São 28 etnias diferentes, com dialetos diferentes, com características morfológicas diferentes. O sentido de identidade é complicado" e é "uma realidade" que o atual Presidente guineense, Umaro Sissoco Embaló "tem um regime autoritário, muito pessoal".
Sobre João Bernardo "Nino" Vieira, José Manuel Pavão, que presidiu ao conselho de administração do Hospital Maria Pia, no Porto, salientou a amizade forjada a partir do momento em que prestou assistência médica à filha mais nova do então líder guineense.
"Tínhamos uma relação muito próxima. Fui médico da sua filha mais nova. Por mera coincidência da vida dos médicos -- era então Presidente de Portugal o doutor Mário Soares -, numa noite fui despertado por um colega pedindo uma ajuda para uma criança que estava com febre elevada, que tinha vindo de Bruxelas, com uma amigdalite e que era filha de um pessoa importante", recordou.
"E lá fui eu ao Hospital de Santa Maria Pia. Tratava se de uma filha do Presidente 'Nino' Vieira que estava com uma crise de malária grave e adiantada", acrescentou.
A proximidade do médico com o então Presidente guineense reforçou-se ao longo dos tempos e, em maio de 1999, na sequência do levantamento armado liderado por Ansumane Mané contra o regime de "Nino" Vieira, este refugiou-se na embaixada portuguesa em Bissau, de onde parte para o exílio em Portugal e os dois consolidam a relação de amizade.
Nomeado cônsul honorário da Guiné-Bissau em 2002 - "por insistência da comunidade guineense residente no norte de Portugal" -, José Manuel Pavão foi companhia privilegiada de "Nino" Vieira, de quem dizia ser "na intimidade um indivíduo moderado, sempre reflexivo. Media muito as palavras antes de dizer qualquer coisa. Não era um tipo precipitado".
A 7 de abril de 2005, "Nino" Vieira regressou a Bissau depois de seis anos de exílio em Portugal, e anuncia que se candidataria à Presidência nas eleições presidenciais de 2005, que vence na segunda volta.
"Eu julgo que ele tinha uma visão da representatividade democrática do país. E de que o país pudesse integrar-se no novo plano convivial dos países e pudesse reconciliar-se. O regresso era a estratégia de recuperar o mando, o poder. Era para mim inequívoco. E ter um papel importante no desenvolvimento do país e na ordem", adiantou.
A instabilidade continua a rondar a Guiné-Bissau e quando "Nino" Vieira anuncia a dissolução do Governo chefiado pelo primeiro-ministro Carlos Gomes Júnior, citando a necessidade de manter a estabilidade, nomeia o seu aliado Aristides Gomes para a chefia do executivo.
Em 23 de novembro de 2008, o Presidente Vieira sofreu uma tentativa de assassínio na sua residência.
Alguns dos seus seguranças morreram, mas "Nino" Vieira escapou ileso e, numa entrevista, acusou o general Tagmé Na Waie de ser o responsável pela tentativa de golpe de Estado e por colocar em perigo a estabilidade, a paz e a democracia do país.
A 1 e 2 de março de 2009, após a morte no primeiro dia de Tagmé Na Waie, então chefe de Estado-Maior das Forças Armadas, "Nino" Vieira é morto a tiro no segundo dia por militares que cercaram a sua casa e queriam vingar a morte do oficial vítima do atentado.
"Nino" Vieira morre a tentar escapar da sua casa e depois de ferido a tiro, é atacado com repetidos golpes de arma branca.
José Manuel Pavão confessou-se "profundamente triste" quando tomou conhecimento do sucedido.
Do relacionamento que manteve com "Nino" Vieira, guarda muitas histórias como quando, na impossibilidade de assistir à tomada de posse do amigo na Presidência, em 2005, o Presidente eleito lhe disse para mandar o seu filho mais velho.
José Manuel Pavão, que chegou a ser deputado pelo PSD, eleito pelo círculo de Bragança, e cofundador da Associação Nacional das Assembleias Municipais, mantém que a Guiné-Bissau já há muito deveria ter homenageado "Nino" Vieira com um memorial.
Os restos mortais do antigo Presidente estão depositados na Fortaleza d'Amura, em Bissau, onde fica o quartel-general das forças armadas guineense.
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