Sérgio Moro acusa presidente brasileiro de querer acesso privilegiado a investigações judiciais
Algumas das investigações envolvem filhos ou aliados.
O ex-juiz da Lava Jato e agora também ex-ministro da Justiça Sérgio Moro, que apresentou demissão deste último cargo esta sexta-feira, acusou o presidente Jair Bolsonaro de querer interferir em investigações da Polícia Federal que poderão atingi-lo e aos filhos. Moro fez a acusação no discurso de demissão e despedida, referindo-se à demissão feita por Bolsonaro sem a anuência dele do director-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, homem da confiança do agora ex-ministro, para colocar no cargo uma pessoa que possa controlar pessoalmente e dar-lhe informações confidenciais.
"O presidente queria uma pessoa (na Polícia Federal) para quem ele pudesse ligar, com a qual ele pudesse colher informações de inteligência, e realmente não é papel da Polícia Federal prestar essas informações", declarou Moro, claramente emocionado ao evocar a sua trajetória como ministro da Justiça e explicar as razões pelas quais deixava o cargo.
Moro afirmou que alertou o presidente de que trocar o director-geral da corporação para colocar no lugar dele alguém que lhe desse informações privilegiadas era uma interferência claramente política, o que lhe parecia inaceitável, e que Bolsonaro lhe respondeu que era interferência política, sim, e que ele podia fazer isso porque é o presidente. Ainda de acordo com Sérgio Moro, que avançou não saber como vai ser o seu futuro mas que ao menos nos próximos tempos pretende descansar, Jair Bolsonaro está particularmente preocupado com investigações da Polícia Federal abertas por determinação do Supremo Tribunal em que, apesar de até agora não haver acusações formais, os seus filhos Flávio Bolsonaro, Eduardo Bolsonaro e Carlos Bolsonaro surgem como suspeitos de vários crimes.
"O presidente sinalizou que tinha preocupação com investigações em curso no Supremo Tribunal. O presidente disse-me mais de uma vez expressamente que queria ter (na Polícia Federal) uma pessoa do contacto dele, para quem ele pudesse ligar, ter informações, receber relatórios de inteligência. Eu falei ao presidente que isso seria interferência política, e ele disse que seria mesmo", continuou Sérgio Moro.
Entre as investigações que poderão atingir os filhos de Jair Bolsonaro e, dependendo do desenvolvimento, até o próprio presidente, estão as que apuram uma gigantesca rede de disparo de Fake News contra adversários do governante, de que são suspeitos o vereador Carlos Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro, e outra que apura o envolvimento do senador Flávio Bolsonaro em corrupção. A mais recente, instaurada esta semana por ordem do Supremo Tribunal Federal, envolve novamente Eduardo Bolsonaro e o próprio Jair Bolsonaro, que domingo passado participaram num ato ilegal em Brasília em que os manifestantes pediram o fechamento do Congresso e do Supremo Tribunal e exortaram as Forças Armadas a darem um golpe para manter Bolsonaro no cargo indefinidamente e com poderes absolutos.
O agora ex-ministro acrescentou que, mesmo ante o desejo de Bolsonaro de trocar o director-geral da Polícia Federal a sua intenção era manter-se no cargo para não criar mais uma crise política no governo no meio da pandemia de Coronavírus, que deveria suscitar o empenho de todo o executivo para salvar vidas, mas que na manhã desta sexta-feira foi surpreendido com a publicação no Diário Oficial da demissão de Maurício Valeixo, quando ainda negociava com o presidente um nome técnico para o lugar, e que se sentiu desautorizado. Moro afirmou que, ante as investidas de Bolsonaro, não poderia continuar num governo que não respeita a autonomia da Polícia Federal, em que nem governos que ele considerou corruptos, como os de Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer, ousaram interferir.
"É certo que os governos da época tinham inúmeros defeitos, aqueles crimes gigantescos de corrupção, mas todos garantiram a autonomia da Polícia Federal, o que foi fundamental para a conclusão do trabalho. Tenha sido de bom grado ou pela pressão da sociedade", reconheceu Moro.
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