"Ninguém percebeu que o avião ia cair"
Técnico de avião da Chapecoense diz que fez plano de voo com paragem para reabastecer.
Um dos seis sobreviventes do fatídico voo da LaMia que matou 71 pessoas e dizimou a equipa de futebol da Chapecoense, conta, numa entrevista à Globo realizada no hospital da Bolívia onde recupera, que nenhum dos passageiros ou tripulantes de cabine se apercebeu de que o avião ia despenhar-se.
"Estava a falar com o treinador [Caio Junior] que estava a ensinar-me a falar português, quando ouvimos a ordem ‘apertem os cintos porque vamos aterrar'. Toda a gente voltou aos seus lugares e apertou os cintos. O avião começou a vibrar e eu pensei que essa vibração fosse de uma aterragem normal. Mas não foi. Apenas ouvi uns ruídos e não me lembro de mais nada. Só me lembro de me levantar do chão" conta o técnico de aviação, de 25 anos.
O boliviano conta ainda que só se apercebeu que o avião ia fazer o voo direto de Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, para Medellin, na Colômbia quando já estava a bordo, pouco antes de descolar. O trajeto contrariava o plano de voo que ele próprio tinha elaborado. "Nós como técnicos fazemos o pré-voo e temos uma lista de check up de tudo o que é preciso fazer no avião. Preocupamo-nos com isso. A LaMia tem os seus gerentes, o seu pessoal, mas eu faço tudo o que me ensinaram e fiz o relatório que previa que íamos até Cobija [aeroporto junto à fronteira entre o Brasil e a Colômbia, que fica a cerca de um terço do percurso previsto] . No momento da descolagem voltei a perguntar se íamos parar em Cobija e disseram-me que íamos diretos a Medellin. Os depósitos estavam atestados ao máximo, mas o plano era ir até Cobija"
Tumiri diz que confiou que tudo estava devidamente previsto: "Em relação à autonomia e à parte da carga, quem faz isso é o despachante de voo, a responsabilidade é da LaMia. Eles sabiam qual era o peso, qual o combustível correspondente. Eles dizem-me qual o combustível necessário e eu faço esse abastecimento. Supus que eles sabiam o que estavam a fazer"
Momentos dramáticos após a queda
Na entrevista, o boliviano conta que acordou no meio dos destroço e o seu primeiro instinto foi procurar Ximena Suárez, outra das sobreviventes. "Era como um pesadelo. Não acreditava, acordei a pensar, ‘o que é que aconteceu?’. O que fiz foi ligar a minha lanterna e gritar socorro.
A Ximena estava a poucos metros de mim. Corri em direção a ela e soltei-a, porque ela estava presa. Ela estava a gritar e quando eu cheguei ao pé dela ela acalmou-se. Disse-lhe, ‘vamos embora’. Era mato, estava muito escuro. [Antes de cairmos] vi onde era o aeroporto, vi um avião a descolar e sabia para que lado era. Fomos andando nessa direção"
O tripulante conta que viu muitos corpos. Ouviu um dos sobreviventes, mas não teve força para chegar ao pé dele. "No momento de levar a Ximena vi muitos corpos espalhados. Mas não podia fazer nada, não via sinais de vida. Estava preocupado que o avião fosse explodir ou desmanchar-se, por isso fui-me afastando com a Ximena"
Quando cheguei a cima de um morro, ouvi alguém a falar com sotaque brasileiro. Perguntava se estava ali alguém e eu respondi perguntando de volta ‘onde é que você está?’. Quis ir na direção da voz mas o corpo não respondia. Continuei a gritar para ele. Queria que ele não se calasse, que ele fosse falando, era a minha maneira de o ajudar"
Pouco depois do acidente, correu mundo a notícia de que Erwin contara que se tinha salvo por adotar os procedimentos de segurança, colocando-se em posição fetal. Mas o boliviano nega essa versão dos acontecimentos. "Eu não disse nada disso. É a primeira vez que estou a falar para a imprensa. Não percebi que o avião ia cair, ninguém percebeu. Estavam todos prontos para uma aterragem normal".
Erwin diz que sente que tem uma dívida de gratidão com a Chapecoense e quer ir à cidade do clube: "Quero ir a Chapecó e conhecer a cidade. Às vezes sinto como se tivesse sido salvo por eles, como se eles tivessem dado as suas vidas pela minha".
O técnico de aviação está a tirar um curso de pilotagem e mantém o seu sonho. Apesar do acidente, quer ser piloto de aviões comerciais.
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