Foi violada anos a fio em criança e fugiu aos 13 anos. Membros do culto ‘Meninos de Deus’ ensinavam que o abuso sexual era ‘normal’.
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Dawn Watson nasceu e cresceu num verdadeiro pesadelo. A jovem de 29 anos, natural do Brasil, foi criada desde bebé na seita ‘Meninos de Deus’, um culto com origens obscuras ao qual pertenceram estrelas de Hollywood como Rose McGowan - que assumiu que se tornou atriz para "mascarar" os abusos de que foi vítima em criança - ou Joaquin Phoenix.
Nesta seita Dawn, e milhares de outras crianças, eram abusadas e violadas todos os dias e, crescendo perante esta realidade, achavam que se tratava de algo normal. A mulher, hoje com 28 anos, resolveu quebrar o silêncio, denunciar o passado da seita e revelar como escapou quando era adolescente.
"Aprendíamos a fazer sexo antes de sabermos escovar os dentes"Dawn quer que a sua história dê coragem a outras vítimas de abusos, dentro e fora das ‘Meninos de Deus’, para que quebrem o silêncio e denunciem os casos.
A mulher só percebeu que não era normal as crianças serem violadas quando saiu da seita, que desde cedo promove o abuso sexual infantil.
"Em crianças, aprendíamos a fazer sexo ainda antes de sabermos escovar os dentes. Era parte da nossa educação. Ensinavam-nos que Deus é amor e que a maneira de exprimir este amor divino é através da sexualidade. Foi o que aprendi e a única realidade que conhecia. Foi abusada de todas as formas: sexualmente, emocionalmente e espiritualmente. Quando descobri o que realmente aquilo era senti o meu Mundo desabar", revela a jovem.
Seita global em que o líder violava os filhos‘Meninos de Deus’ é uma seita formada em 1968, fundada pelo norte-americano David Brandt Berg em Huntington, na Califórnia. No ano de 1972 existiam mais de 130 comunidades, com vários fieis em todo o Mundo, mas particularmente no continente americano.
David Brandt Berg dizia que era "um homem enviado por Deus", que tinha o objetivo de criar uma rede de comunidades de indivíduos com os mesmos princípios e valores. O que não revelou é que tinha um historial negro de abusos sexuais na sua família.
"Ele violou os próprios filhos e por isso foi expulso da igreja que frequentava antes. Resolveu criar uma religião dele porque queria ter várias mulheres. Ele não sabia ser fiel a nada, não sabia ter apenas uma mulher", desmascara Dawn.
As crianças da seita são sujeitas desde tenra idade a imagens pornográficas. Imagens de mulheres nuas crucificadas e cartazes que apelam às "prostitutas de Jesus".
As mulheres, jovens e crianças são encorajadas a passar tempo a sós com os ‘tios’ – membros mais velhos da seita – para serem abusadas. "Participávamos em atos sexuais hediondos ainda antes de percebermos o que estávamos a fazer", denúncia a brasileira.
O culto aproveita-se de mulheres com historial de violência doméstica, que criam os filhos sozinhas ou que foram abandonadas pelos maridos. São recrutadas para a seita, onde há poucos homens nas comunidades. Cada um tem o seu ‘harém pessoal’.
"Nunca tive uma figura paternal na comunidade. Não havia um único homem com quem eu sentisse uma ligação emocional ou que eu sentisse que me podia proteger. Sempre olhei para os homens e ‘tios’ da seita como um perigo e só queria estar o mais longe que pudesse deles", recorda Dawn.
Mãe não tinha noção dos abusos infantisDawn nasceu e cresceu nos ‘Meninos de Deus’ com a mãe e o irmão. Garante que a mãe, assim como as mulheres mais velhas da seita, não sabiam que as crianças eram violadas. Apenas as meninas mais novas e as adolescentes eram escolhidas pelos ‘tios’ para serem abusadas.
"Houve um dia que o meu cérebro fez um ‘clique’, mas senti-me culpada" Dawn Watson
Às mulheres eram atribuídos trabalhos físicos, longe dos locais onde eram consumados os abusos.
"Não nos era permitido falar de assuntos sérios. Não podíamos estudar ou ler qualquer coisa que nos desviasse da educação que nos davam na seita", explica Dawn, que aos 13 anos começou a perceber que algo estava errado.
"Houve um dia que o meu cérebro fez um ‘clique’, mas senti-me culpada, porque achava que estava a duvidar de Deus, Mas tinha chegado a um ponto da minha vida em que tinha que sair dali. Em desespero, disse a mim mesma ‘Sabes que mais? Se o mundo fora daqui é tão terrível, se Deus vai julgar-me e matar-me e vou para o inferno, que assim seja, já não quero saber’", relata a mulher que foi abusada centenas e centenas de vezes.
A fuga e um novo pesadeloDawn pôs-se em fuga sozinha, porque a mãe recusou abandonar a seita e não acreditou inicialmente na história de horror que a filha lhe contava.
A jovem refugiou-se em casa de uma família que tinha fugido da seita e em quem achava que podia confiar. Não podia estar mais enganada: com 15 anos, voltou a ser violada, por um dos homens que lhe tinha dado abrigo.
"Foi o meu momento mais negro. Não sabia no que acreditar. Voltei a entrar em contacto com a minha mãe e percebi que ela finalmente tinha percebido o que se passava na seita e tinha ganhado coragem para fugir da comunidade. Ficámos a viver juntas e senti-me profundamente aliviada. Foi um sentimento de ‘estamos bem, podemos começar de novo’, indescritível", conta Dawn.
A mulher começou a falar do seu passado em 2014 e tornou-se um dos rostos da denúncia dos crimes cometidos pela ‘Meninos de Deus’. Criou uma fundação, a Dawn Watson’s Institute, para ajudar as vítimas de abusos sexuais. "É preciso falar disto. Assumir que isto sou eu e não tenho que ter vergonha. Foi daqui que vim, foi assim que me obrigaram a viver", finaliza.
Raptos de crianças e várias polémicas ao longo dos anosA seita ‘Meninos de Deus’ sempre se viu envolvida em polémicas. Originalmente com vários elementos da comunidade ‘hippie’, depressa viu opositores que questionavam os fundamentos religiosos daquele culto.
Com o estalar das denúncias de abusos sexuais, violações, rapto de crianças, abuso de poder e suspeitas de corrupção, desvio de dinheiro e má gestão financeira, a seita acabou por terminar enquanto organização em 1978.
O fundador dissolveu as comunidades e despediu mais de 300 líderes do movimento, ficando apenas um terço dos seguidores do culto, que acabou por mudar de nome para ‘A Família do Amor’.
Nas décadas de 80 e 90, a seita voltou a sofrer mudanças, com nove e reforçado enfoque no facto dos membros da seita terem que viver como os primeiros cristãos.
A organização voltou a mudar de nome em 2004, chamando-se ainda agora ‘A Família Internacional’. Continua a ter lares infantis por todo o mundo, desconhecendo-se novos casos de abuso sexual de menores. Os últimos dados, de 2005, dão conta de mais de 10 mil membros em todo o Mundo, com mais de 1200 comunidade e lares de abrigo da ‘Família Internacional’.
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