Em 11 de novembro de 1975, Angola proclamava a sua independência em Luanda, sob a liderança do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA).
Entre um passado de luta fratricida e um presente de contrastes profundos, os angolanos celebram 50 anos de independência agridoce, com a conquista da paz, mas as promessas por cumprir, com um futuro alicerçado na força da juventude.
Em 11 de novembro de 1975, Angola proclamava a sua independência em Luanda, sob a liderança do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), enquanto a Frente Nacional de Libertação de Angola (FNLA) o fazia no Ambriz e a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) no Huambo, num país já fragmentado que logo a seguir mergulhou numa guerra civil que duraria quase três décadas.
O Acordo de Alvor, assinado em janeiro desse ano entre Portugal e os três movimentos de libertação, previa uma transição pacífica que nunca se concretizou.
Em 23 de fevereiro de 1976, Portugal reconheceu oficialmente a independência, já sob o domínio efetivo do MPLA.
Os primeiros anos da nova nação foram marcados pela instabilidade e pela repressão, devido às lutas internas do novo poder dirigente.
Em 1977, a alegada tentativa de golpe associada ao então ministro Nito Alves mergulhou o país num dos episódios mais sangrentos da sua história expondo as divisões no seio do MPLA: os chamados "nitistas", seguidores de Nito Alves, defendiam uma linha mais radical e popular, próxima do marxismo-leninismo ortodoxo, enquanto os "netistas", fiéis ao Presidente António Agostinho Neto, procuravam consolidar o poder sob uma orientação socialista mais centralizada e controlada pelo partido.
O choque entre as duas fações culminou nos acontecimentos de 27 de maio de 1977, quando Nito Alves e os seus apoiantes foram acusados de tentar derrubar o Governo, seguindo-se da parte das forças leais a Neto, que disse não haver tempo para julgamentos, uma onda de repressão em larga escala, com prisões em massa e execuções sumárias.
Estimativas apontam para dezenas de milhares de mortos, um trauma coletivo que marcou Angola durante décadas e permanece até hoje como um dos momentos mais trágicos da sua história.
Só décadas mais tarde, o atual Presidente, João Lourenço, viria a reconhecer oficialmente os excessos cometidos e a apresentar um pedido de desculpas público em nome do Estado angolano, numa tentativa de reconciliar o país com o seu passado e honrar a memória das vítimas do 27 de Maio.
Dois anos depois, morria António Agostinho Neto, o primeiro Presidente da República, sucedido por José Eduardo dos Santos que permaneceu no poder durante 38 anos, de 1979 a 2017, tornando-se um dos chefes de Estado que mais tempo governou em África.
O seu longo mandato ficou marcado por contrastes profundos: tornou-se "arquiteto da paz" por conduzir o país ao fim da guerra civil em 2002, mas também foi na sua liderança que se teceu uma vasta teia de corrupção e nepotismo, alimentada por familiares e aliados próximos, que concentraram o poder e riqueza de Angola em poucas mãos.
Durante o seu governo, Angola conheceu um período de crescimento económico acelerado impulsionado pelo petróleo, mas agravou-se a desigualdade social, num país dividido entre uma minoria de milionários e uma maioria empobrecida.
Esta estrutura viria a ser abalada com a chegada de João Lourenço à presidência, em 2017, que prometeu romper com o passado e combater a corrupção.
Durante a década de 1980, Angola tornou-se palco de confrontos que refletiam a Guerra Fria, com destaque para as batalhas de Cuito Cuanavale (1987-1988) e o Acordo Tripartido de Nova Iorque (Angola, Cuba, África do Sul), assinado em dezembro de 1988, que marcaram o início do fim da presença estrangeira e abriram caminho à paz.
Em 1991, o Acordo de Bicesse introduziu o multipartidarismo e o cessar-fogo, levando às primeiras eleições gerais, em 1992. A vitória do MPLA foi, no entanto, rejeitada pela UNITA, com o conflito a prolongar-se por mais dez sangrentos anos.
A morte de Jonas Savimbi, líder da UNITA, em 22 de fevereiro de 2002, no Moxico, foi o ponto de viragem. Pouco depois, a assinatura do Memorando de Entendimento do Luena pôs fim à guerra civil e devolveu aos angolanos o direito a viver em paz.
Seguiram-se anos de esperança em que Angola procurou erguer-se das ruínas deixadas por quase três décadas de guerra civil. O Acordo de Paz e Reconciliação de Cabinda, assinado em 2006, e as eleições legislativas de 2008, que deram ao MPLA 81,6% dos votos, consolidaram o poder político e a estabilidade institucional.
A grande reconstrução nacional foi impulsionada por um ciclo de receitas petrolíferas sem precedentes e pelo financiamento massivo proveniente da China, assente num modelo de crédito colateralizado em petróleo, no qual a Sonangol, a petrolífera estatal angolana, teve um papel central.
Contudo, o modelo revelou também um lado sombrio com contratos pouco transparentes e sobre-endividamento, o que fez com que o país se reerguesse fisicamente, sem conseguir garantir que o crescimento se traduzisse em prosperidade para a maioria dos angolanos.
A década seguinte ficaria marcada por uma série de episódios de repressão e contestação política que revelaram as tensões entre o poder e a sociedade civil angolana.
Em 2015, o jornalista e ativista Rafael Marques foi julgado por crimes de difamação, após a publicação do livro Diamantes de Sangue: Corrupção e Tortura em Angola, no qual denunciava alegados abusos e violações dos direitos humanos ligados à exploração diamantífera.
No mesmo ano, o regime enfrentou um novo foco de contestação com a prisão de 17 jovens ativistas, conhecidos como o grupo dos "15+2", acusados de tentativa de subversão da ordem pública e de planearem um golpe de Estado por discutirem um manual de resistência pacífica.
Entre eles encontrava-se o rapper e ativista luso-angolano Luaty Beirão, cuja greve de fome captou a atenção da opinião pública dentro e fora do país, aumentando a pressão internacional contra a repressão e a falta de liberdade em Angola.
Com João Lourenço, eleito em 2017, iniciou-se uma nova fase política em Angola, marcada por uma onda de esperança e renovação. Antigo general e ministro da Defesa, escolhido por José Eduardo dos Santos como sucessor, Lourenço quis distanciar-se rapidamente do seu antecessor e desafiou a estrutura de poder herdada.
Logo no início do mandato, exonerou Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos, da presidência da Sonangol, e lançou uma campanha anticorrupção com promessas de transparência e combate ao nepotismo.
O arresto dos bens de Isabel dos Santos, na sequência do caso Luanda Leaks em 2020, revelou a dimensão do enriquecimento que os próximos de José Eduardo dos Santos consolidaram durante décadas.
Os primeiros anos de João Lourenço ficaram marcados pelo discurso reformista e promessas de moralização do Estado, mas o entusiasmo do primeiro mandato deu lugar ao desalento no segundo.
As dificuldades económicas, o aumento do custo de vida e a perceção de que a luta contra a corrupção se tornara seletiva minaram a confiança de muitos angolanos e deram lugar ao descontentamento social, sobretudo entre os jovens, que continuam a sentir-se excluídos das oportunidades e frustrados com a lentidão das reformas.
João Lourenço quis também deixar marcos em forma de grandes obras, inaugurando o Aeroporto Internacional Dr. António Agostinho Neto, e na diplomacia económica, abrindo o país a novos parceiros fora da esfera cubana-russa-chinesa.
Em 2024, Angola recebe pela primeira vez a visita de um Presidente dos Estados Unidos, e Joe Biden viaja até ao Corredor do Lobito.
O ano do jubileu chega com novos desafios e marcas do passado, como o julgamento dos generais Manuel Hélder Vieira Dias "Kopelipa" e Leopoldino Fragoso do Nascimento "Dino", figuras centrais do antigo círculo presidencial e símbolos do poder económico e político acumulado durante décadas pela elite dirigente.
Ao mesmo tempo, os tumultos de julho de 2025 em Luanda, desencadeados por uma greve de taxistas que deu lugar ao vandalismo e protestos inorgânicos gerados pela frustrações acumuladas, deixaram pelo menos 30 mortos, expondo a tensão latente onde o desemprego, o custo de vida e o desespero popular contrastam com o discurso otimista do regime.
Meio século depois da proclamação, Angola celebra a independência entre a esperança e a desilusão, procurando reconciliar-se enquanto procura resolver as suas contradições, entre um Estado que ambiciona modernizar-se e diversificar a economia, e uma juventude inquieta, desencantada e impaciente.
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