Casal atingido por disparos russos na frente de batalha foi salvo por drone ucraniano com papel onde se lia “segue-me”
Operação de resgate foi gravada e integra um documentário assinado pelo realizador ucraniano Lubomir Levitski.
Catarina Cruz22 de Março de 2023 às 18:42
Um casal ucraniano de Bakhmut, na região separatista de Donetsk, ficou ferido e preso no fogo inimigo e foi salvo por um drone das tropas ucranianas, com uma mensagem escrita à mão num papel em que podia ler-se: "Segue-me". A operação ficou registada em vídeo e as imagens integram o documentário "Follow Me", realizado por Lubomir Levitski.
Valeriia Ponomarova e Andrii Bohomaz decidiram regressar a Bakhmut, que nos últimos meses tem sido um dos principais alvos das tropas russas, para retirarem os pais, idosos e doentes, de uma zona de intenso combate. Um desvio fê-los ficarem presos em território inimigo e serem atingidos pela artilharia russa.
"Passámos o checkpoint, deixaram-nos passar, seguimos em frente e havia uma ponte destruída. Parámos de forma abrupta e perguntámos como chegar onde queríamos, por onde teríamos de ir, e disseram-nos que devíamos seguir em frente, virar, atravessar o campo e entrar na autoestrada logo a seguir", começa por explicar Valeriia no documentário.
A história, verídica mas digna de filme, é contada a várias vozes.
‘Sid’, primeiro tenente das Forças Armadas ucranianas, conta que naquele dia a sua equipa tinha colocado um drone no ar porque tinha ouvido movimentações. O ambiente parecia estar calmo, mas o comandante de outro batalhão informou-os de que havia um veículo de civis a mover-se na sua direção.
"Virámos o drone para lá e vimos que havia um cruzamento onde sabíamos que o inimigo se escondia, mas ainda não tínhamos sido capazes, de forma precisa, de identificá-lo, por alternavam de local ,de tempos a tempos, ou simplesmente iam e vinham", começa por explicar ‘Sid’.
"Quando vimos um carro a tentar descer, não conseguimos perceber quem era, mas só podiam ser civis, porque os militares sabiam que estava ali o inimigo e não iam para ali", diz o primeiro-tenente das Forças Armadas ucranianas.
Ao perceberem que se tratavam de civis, as forças ucranianas viram que tinham de tentar travá-los: "Tínhamos de fazer qualquer coisa. Fazer-lhes sinal de que tinham virado na direção errada".
Os militares foram acompanhando as movimentações do carro com o drone e estavam na esperança de que, no cruzamento, o carro virasse à direita, na direção das posições das tropas ucranianas, o que não aconteceu.
O carro onde Valeriia Ponomarova e Andrii Bohomaz seguiam começou a ser intensamente atingido, com as tropas russas a recorreram a diferente tipo de armamento pesado mesmo sabendo, entretanto, que se tratavam de alvos civis.
"Vimos uma pequena paragem de autocarro, mas que também estava destruída. Primeiro pensámos em correr para lá, para nos escondermos, mas começou a explodir tudo ao nosso lado, houve várias explosões", detalha Valeriia.
O casal regressou então ao carro, que continuou a ser atingido pelas forças russas, tentou ligá-lo para fugir do local, mas "algo voou" na sua direção e tiveram de abandonar a viatura imediatamente. Quando saíram, Andrii estava ferido.
Todos os passos do casal estavam continuaram a acompanhados por ‘Sid’, que viu Valeriia prestar os primeiros socorros ao maridos e recorrer a tudo o que tinha no carro para lhe conseguir estancar o sangue que se derramava no asfalto.
"Tentámos enviar outro drone para a posição onde eles estavam e usarmos este drone para lhes indicar a direção em que tinham de ir", explica 'Sid' no documentário. O drone desceu o mais baixo possível, até cerca de 20 metros do solo, para que Valeriia percebesse que estava ali alguém, que não estava sozinha, e que deveria seguir o aparelho.
Valeriia acenou, mas não sabia se o drone pertencia às tropas ucranianas ou ao inimigo.
"Tentámos indicar o caminho para uma área segura, um local que tinha sido cavado para guardar material militar, onde podiam proteger-se dos bombardeamentos. Mas eles não entendiam os nossos sinais, tínhamos de inventar algo mais acessível para que eles pudessem perceber o que fazer e para onde ir", explica ‘Sid’.
Esse era um problema, ao qual se somou outro: o drone apenas tinha 10% de bateria e era preciso fazê-lo regressar à base para que as baterias fossem carregadas.
Enquanto o drone era carregado, ‘Sid’ lembrou-se que a solução para comunicar com Valeriia poderia passar por fixar uma folha de papel ao drone com a mensagem: "Segue-me".
O drone voltou a ser enviado para o campo de batalha e a descer o mais possível para perto de Valeriia. A mulher fez sinal que tinha o marido ferido, no chão, e que de era necessário resgatá-lo. Mas os militares ucranianos não podiam realizar essa operação porque as tropas russas encontravam-se a cerca de 30 metros de distância.
O batalhão de ‘Sid’ moveu o drone para cima e para baixo, para indicar que estava a compreender o que Valeriia estava a dizer, mas a mulher não conseguia perceber que devia seguir indicações para sair dali rumo a local seguro. Os operadores desceram ainda mais um drone para que Valeriia conseguisse ler o que estava escrito na folha de papel.
Nesse momento, Valeriia estava ao telemóvel com o irmão do marido e explicou-lhe o que se estava a passar. Este apenas lhe disse: "Vai, esta pode ser a única hipótese de salvar o Andrii, porque não consegues ser tu a carregá-lo".
Valeriia começou a seguir o drone, que lhe foi dando a indicação, através de diferentes movimentos, do que devia fazer e de para onde devia ir, de forma a evitar as minas plantadas pelo caminho.
A investida das tropas russas continuava. Valeriia continuou a andar até ser abordada por um militar que lhe disse: "Anda, vamos ajudar-te, mas agora temos de correr porque há um confronto e vamos levar-te para um lugar seguro primeiro".
A reação da mulher foi de que não deixaria o marido para trás e deu meia volta para regressar, mas foi travada pelo militar, que a alertou: "Não percebes que se regressares agora, vais ficar lá com ele e vão matar-vos aos dois".
Nesse momento, um grupo tático russo, composto por cinco ou seis homens, aproximou-se da viatura, retirou Andreii da estrada e colocou-o numa trincheira, numa zona habitualmente destina a equipamento militar.
No documentário, os militares ucranianos confessam que, face aos ferimentos que Andreii apresentava, não acreditaram que este fosse sobreviver.
Mas Andreii sobreviveu.
Esteve 30 horas inconsciente numa vala, até que acordou com a chuva a bater-lhe no rosto: "Ouvi chover, comecei a tremer, olhei à volta e percebi que estava numa trincheira. Percebi que tinha de sair dali de alguma forma", diz o homem, que tinha estilhaços cravados em todo o corpo, hematomas e feridas.
Quando a mulher acordou, no dia seguinte, os militares ucranianos disseram-lhe que o marido já não estava no local onde tinha sido deixado. Não sabiam dele.
Andreii fez frente à dor lancinante que sentia e foi andando em direção às posições das tropas ucranianas. Um soldado de outro batalhão mandou uma foto do homem, a dizer que tinha chegado sozinho ao checkpoint, e a perguntar se sabiam quem era. O primeiro tenente ‘Sid’ reconheceu-o.
Algum tempo depois, os militares mostraram a Valeriia um vídeo onde aparecia Andreii: "Olá amor, estou vivo!".