Antigo presidente angolano morreu esta sexta-feira em Barcelona.
José Eduardo dos Santos, que morreu esta sexta-feira em Barcelona, Espanha, foi sempre um líder que primou pela discrição, mas o exercício do poder foi considerado por organizações internacionais como absolutista.
Em 20 de setembro de 1979, com a morte do primeiro Presidente de Angola, Agostinho Neto, José Eduardo Santos, visto então como um tecnocrata com pouco brilho - a que se juntava uma expressão impassível e, por vezes, inescrutável - foi eleito secretário-geral do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), assumindo, no dia seguinte, o cargo de Presidente de Angola e Comandante-Chefe das Forças Armadas Angolanas.
Ainda que poucos então augurassem uma carreira de 38 anos no poder, a sua escolha em 1979 não foi grande surpresa em Angola: era conselheiro próximo de Agostinho Neto, era de Luanda e Kimbundu, a etnia predominante no MPLA, tinha estudos superiores e uma grande experiência administrativa.
Então com 37 anos, José Eduardo dos Santos era um dos mais novos Presidentes no continente africano e estava à frente de um país em guerra com outro dos movimentos independentistas, a UNITA, de Jonas Savimbi, e com a África do Sul, a do regime de segregação racial ou 'apartheid', na fronteira com a Namíbia.
A sua liderança foi descrita como reservada, laboriosa e tenaz, concentrando em si e no seu círculo próximo um poder absoluto.
A 'Economist Intelligence Unit' escreveu em 2012, ano das últimas eleições presidenciais a que concorreu, que José Eduardo dos Santos, e o MPLA, tinham uma "completa hegemonia do sistema político" angolano, em que o Presidente estava "no topo de uma vasta rede clientelar".
O papel que o Presidente "habilmente" desempenhava nesta rede, escreveram então os analistas da EIU, é "atender a interesses conflituantes, nacionalmente e dentro do partido, enquanto vinca a sua própria posição".
Assumiu a liderança em 21 de setembro de 1979 com o país na bancarrota, mergulhado numa guerra civil, que chegou a dar à UNITA o controlo de 70% do território, e, em plena Guerra Fria, contra as pretensões do bloco ocidental e Estados Unidos.
José Eduardo dos Santos, conhecido como Zedu, nasceu em 28 de agosto de 1942 em Luanda. O seu pai, Eduardo Avelino dos Santos, era um pedreiro reformado e a sua mãe, Jacinta José Paulino, era doméstica. Em inícios da década de 1950, frequentou o Liceu Nacional Salvador Correia, na capital da Angola colonial portuguesa.
Foi no Liceu Salvador Correia (assim batizado em honra ao militar português que reconquistou Angola aos holandeses em 1648) que José Eduardo dos Santos começou a envolver-se em atividades políticas.
Em 1956, a fusão de vários grupos dava origem ao MPLA. Nessa altura, José Eduardo dos Santos teve um papel ativo na organização de grupos clandestinos nos arredores de Luanda, algo que viria a intensificar-se a partir de 1961.
Em fevereiro e março desse ano - com o ataque do MPLA a uma cadeia de Luanda e um ataque da UPA, União das Populações de Angola (antecessora da Frente Nacional de Libertação de Angola) contra populações brancas - a guerra em Angola tornou-se inevitável.
Então com 19 anos, José Eduardo dos Santos não vai logo combater os portugueses no mato. Em vez disso, sai em segredo do país e segue com outros seis jovens angolanos para Leopoldville (atual Brazzaville), na República do Congo. Aos 20 acumulava as funções de vice-secretário da JMPLA (juventude do MPLA) e de representante do MPLA.
Um ano depois, no entanto, juntou-se mesmo à guerrilha. Foi uma breve passagem, já que em 1963 recebeu uma bolsa de estudo para estudar no Instituto de Gás e Petróleo de Baku, na antiga União Soviética, onde se formou como engenheiro industrial (setor petrolífero) em junho de 1969.
Valentin Varennikov, general soviético que esteve várias vezes em Angola a organizar a resistência às investidas da UNITA e da África do Sul, lembra que Eduardo dos Santos, quando jovem estudante, "se destacava por capacidades invulgares, tinha um intelecto tenaz e vivo".
Nas suas memórias, o mesmo general recorda também que o dirigente angolano "era fisicamente bem desenvolvido", o que o levou "a jogar no Neftchi (Azerbaijão), equipa de futebol da primeira liga soviética, mas que a "sua vida pessoal desenvolveu-se de forma bastante mais dramática", tendo de deixar a família constituída na Rússia.
Após terminar a tese, foi enviado para uma academia militar soviética para receber instrução como operador de comunicações militares. O treino fê-lo subir na hierarquia militar do movimento, assumindo a chefia do centro de comunicações da Frente Norte, de 1970 a 1974 e, mais tarde, ocupando o cargo de chefe-adjunto do serviço de comunicações da segunda região político-militar do MPLA, Cabinda.
Membro da Comissão Provisória de Reorganização da Frente Norte e chefe dos serviços financeiros do segundo distrito político-militar, só em setembro de 1975 - e por indicação do Presidente Agostinho Neto - José Eduardo dos Santos foi escolhido para integrar o Comité Central do MPLA.
Com a independência da então República Popular de Angola, em 11 de novembro de 1975, José Eduardo dos Santos foi escolhido como chefe da diplomacia.
Por essa altura, o MPLA vivia uma forte divisão interna: por um lado o líder e Presidente, Agostinho Neto, e por outro o ministro da Administração Interna e membro do Comité Central, Nito Alves, apoiado por José Van-Dúnem. O MPLA acusou-os de "fracionismo" ou "nitismo", encarregando José Eduardo dos Santos de liderar uma comissão de inquérito à conduta de ambos.
Nito Alves e Van-Dúnem acabariam por ser assassinados na sequência das manifestações de 27 de maio de 1977, quando milhares dos seus apoiantes foram detidos e/ou mortos pelas forças governamentais de então, apoiadas por militares cubanos.
A Amnistia Internacional considera que na purga foram mortas pelo menos 30 mil pessoas.
No primeiro congresso do agora designado MPLA - Partido do Trabalho, em dezembro de 1977, José Eduardo dos Santos manteve-se como membro do Comité Central e do Comité Político. Em funções governamentais, José Eduardo dos Santos foi vice-primeiro-ministro (até dezembro de 1978) e ministro do Planeamento.
Em 2007, anunciou a realização de eleições parlamentares em 2008 (que o MPLA viria a ganhar novamente) e presidenciais em 2009.
As presidenciais acabariam por ser adiadas, a tempo de ser aprovada uma alteração constitucional (em 2010) que eliminava a eleição presidencial e abria caminho à designação como Presidente do líder do partido mais votado no círculo nacional nas eleições para o parlamento.
Nas novas eleições gerais de agosto de 2012, garantiu mais cinco anos no poder, já que o MPLA ganhou novamente por maioria absoluta.
Quando, em 2016, José Eduardo dos Santos, homem enfraquecido pela doença, anunciou que abandonaria a política angolana, os nomes dos filhos e do vice-presidente, Manuel Vicente, chegaram a ser equacionados como possíveis sucessores na Presidência.
Mas em fevereiro o MPLA acabaria por confirmar que o candidato às eleições presidenciais indiretas de 23 de agosto seria o ministro da Defesa e número "dois" do MPLA, João Lourenço.
José Eduardo santos, o jovem marxista que ocupou a Presidência da "trincheira firme do socialismo em África" recolheu-se no Futungo de Belas, em Luanda, onde percorreu o seu caminho político.
Considerado frio e calculista pelos críticos, demitiu dezenas de ministros, vários primeiros-ministros, e comandantes militares a quem responsabilizava pelos insucessos na condução dos destinos nacionais em termos económicos ou na luta contra a UNITA, consolidando o seu poder pessoal.
Saiu da Presidência, em 2017, cedendo o lugar ao atual chefe de Estado, João Lourenço, e deixando um país com abundantes receitas de petróleo e excedentes orçamentais, cortejado pelas grandes potências globais, desde a China aos Estados Unidos.
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