Um futebolista faz-se chamar Gio. Deixa que os colegas lhe digam no balneário: “Gio, empresta-me o champô.” Nos fins dos jogos, os jornalistas gritam-lhe a combinar a entrevista: “São só cinco minutos, Gio.” Para oficializar a coisa, o homem põe nas costas da sua camisola do Barcelona, bem escritinhas, as três letrinhas apenas: ‘GIO’.
Bom, a um homem assim, como é que vocês pensam que um jornalista português chama? Como chama, no calor de um relato, onde as palavras se atropelam e todo o tempo é pouco para contar a acção? Gio? Eu disse ‘um jornalista português’... Os jornalistas portugueses da Sport TV chamam--lhe, não uma, nem duas vezes, mas ao longo dos jogos, assim: “Giovanni van Bronckhorst.”
Não estou, naturalmente, a falar de futebol, nem de jornalistas presunçosos. Estou a falar de Portugal. O lugar onde complicar a comunicação é o desporto nacional mais praticado. Em todo o mundo, um referendo é aquele tipo de consulta em que se faz uma pergunta clara, pedindo-se uma resposta sim ou sopas. Em Portugal, um referendo é um tratado.
Em Portugal, num referendo pergunta-se: ‘Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?’. Em Portugal, quando se vai votar um referendo tem de se pedir emprestado o cachimbo do Fernando Rosas e a boca amarga do Eduardo Lourenço. Ó Micas, vais votar? Não vou tirar um curso de Semiótica à Universidade Nova!
Não estou, naturalmente, a falar de frases de referendo, nem de deputados parvos que as escolhem. Estou a falar de Portugal. O lugar onde se inventou a frase “a minha pátria é a Língua Portuguesa” para ficarmos na ilusão de vivermos no estrangeiro. Aqui, um anúncio é uma página de quebra-cabeças. Se não acredita, corra ao seu televisor, e pare naquele canal que tem estas frases enigmáticas: ‘A TV Cabo informa que esta frequência deixará de emitir conteúdo televisivo. Recomendamos que, até ao dia 30 de Novembro, sintonize um canal da sua preferência nesta posição’. Não vale a pena pedir para repetir. A coisa está lá, orgulhosa e misteriosa, 24 horas por dia.
Reparem, eu sei que há explicações para todas essas perplexidades que assinalo. Os jornalistas da Sport TV podem esfregar-me na cara o registo de baptismo do ala esquerdo do Barcelona. As luminárias que fazem frases para a TV Cabo saberiam demonstrar-me a justeza das suas palavras. E o prof. Vital Moreira adverte-me sobre a obrigação de todo o cidadão europeu ler a Constituição Europeia, o que me daria a chave para perceber o que vou responder àquela longa e vagueante pergunta do referendo.
Têm todos razões. Desde que o Instituto Superior de Educação Física passou a Faculdade de Motricidade Humana não há nada a fazer. Até o Raúl do Real Madrid passou a ser ‘Rául’. Complicar é preciso.
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