As pessoas são sempre críticas das mudanças, principalmente de tudo aquilo que estava já instituído.
Num ano em que o perfil da feira taurina da Moita foi alterado, a denominada corrida do Aposento da Moita, em que o grupo se encerrava com 6 toiros, e que era sempre a corrida de 5.ª feira, foi alterada e aconteceu este ano, na Corrida do Município, na terça-feira, sendo a primeira corrida da feira.
As pessoas são sempre críticas das mudanças, principalmente de tudo aquilo que estava já instituído. Não criticando a decisão do empresário, a qual foi certamente muito bem pensada, ouso pensar que não se ganhou coisa alguma, sendo até que se perdeu público. Esta corrida ocorreu às 18H00, numa terça-feira, feriado na Moita, mas apenas na Moita. Esta corrida, se fosse noturna, com o cartel que apresentava, era corrida para esgotar a praça. Assim, condicionada ainda por três acidentes de viação que sitiaram a Moita, um deles de grande gravidade, ocorrido com um camião na A33, e com a circunstância de pelas 19H45 se iniciar a Liga dos Campeões em futebol com o Benfica a jogar em Lisboa, as espectativas em termos de público, eram já difíceis. É necessário perceber que as pessoas trabalham, tem obrigações profissionais, e num dia de semana, torna-se muito difícil, mesmo a grandes aficionados, poderem estar na Moita pelas 18H00.
Com tantos "ses", os três quartos de casa, não deixaram de surpreender pela positiva.
Em praça os cavaleiros Luís Rouxinol, Diego Ventura e João Moura Caetano, acompanhados pelas suas quadrilhas e os forcados do Grupo de Forcados do Aposento da Moita, capitaneados por José Maria Bettencourt. Os toiros, eram da ganadaria de Maria Guiomar Cortes de Moura.
A corrida foi dirigido pelo Delegado Técnico do IGAC, Pedro Reinhardt, coadjuvado pelo médico veterinário, Hugo Rosa.
1º Touro - Luís Rouxinol (Mª Guiomar Cortes Moura - 577 quilos
Abriu praça Luís Rouxinol, o cavaleiro mais antigo de alternativa, para lidar um touro com 577 kg. Rouxinol esteve bem, como aliás costuma estar sempre. É sem dúvida nenhuma o melhor lidador da atualidade. Lida todo o tipo de touros, dando-lhe sempre a lide adequada. Abriu com três compridos normais. Trocou de montada e sacou o Douro. Com esta montada, cravou três ferros curtos, rematando-os sempre com uma brega muito templada, estando sempre ligado ao touro. O Douro é um cavalo novo, toureiro e poderoso, um cavalo que pode com todo o tipo de touros, seja de saída, seja no tércio de bandarilhas, sendo por isso um cavalo de confiança de Rouxinol que o usa frente a touros poderosos, o que manifestamente não era o caso, já que o touro não se empregava, não transmitia. Foi depois buscar o Antoñete, com o qual cravou um ferro de palmo sem brilho, numa reunião muito larga. Rouxinol apercebeu-se disso e toureiro, cravou um bom par de bandarilhas.
O problema desta lide foi o touro. Um touro bonito, bem apresentado, mas que um touro dos que não "marra". Um touro que limita-se a querer "empurrar". Não se pode até dizer que era manso. Era apenas um touro sem iniciativa, um touro que nunca quis fazer mal a ninguém. Rouxinol este bem, claramente por cima do touro, mas uma lide sem sal, sem perigo, sem emoção. Rouxinol teve de por tudo. Fez a sua parte e a parte que competia ao touro. E assim, é difícil haver triunfo.
A tarde/noite do Aposento da Moita, apresentava-se difícil. Um grupo em profunda renovação, abalado num passado recente por um sem número de situações menos positivas, algumas lesões em forcados importantes, desde logo a de Nuno Inácio, hoje o forcado da cara com mais experiência no Grupo, e um cabo novo. E se atentarmos as últimas corridas, e a forma como o grupo está a emergir da crise, e a ultrapassar este período muito difícil, tem sido aqui, na liderança que tem estado a "remontada".
Para a primeira pega da tarde, José Maria Bettencourt lança o forcado Miguel Fernandes, que tão bem havia estado no Campo Pequeno, onde havia dobrado o companheiro Nuno Inácio e onde havia feito uma pega tremenda de coragem e de carácter. Miguel Fernandes, um jovem com muito poucos touros pegados, os dedos de uma mão chegam para contar os touros que pegou, demonstrou uma tranquilidade tremenda. Citou bem, esteve bem com o touro, mandou na investida e fechou-se bem na cara do touro com o grupo a ajudar. Pega à primeira tentativa, numa pega onde apetece dizer que foi o touro que se intimidou com o cabedal do forcado, acobardando-se no momento da reunião, rendendo-se ao forcado.
Volta para cavaleiro e forcado.
2º Touro - Diego Ventura (Mª Guiomar Cortes Moura - 537 quilos)
De seguida saiu à Praça, Diego Ventura, para tourear um touro com 537 Kg. Ventura vinha com ganas de triunfo, numa Praça que nem sempre foi fácil para ele. Recebeu o touro com o Añejo, e recebeu-o de forma brilhante, em sorte de gaiola, cravando o ferro no sítio certo em reunião cingida, dobrando-se de imediato com o touro e bregando como só muito poucos sabem e podem fazer. Não escandalizaria se o Diretor de Corrida tivesse autorizado que a música tocasse de imediato. Depois de mais um cumprido regular, foi buscar o cavalo Sueño, talvez um dos melhores cavalos de toureio que pisam as arenas de todo o mundo. E o cavalo é de facto de sonho. Cravou ferros curtos para todos os gostos, sempre em reuniões cingidas. Bregou como poucos bregam e teve desplantes que muito poucos ousam pensar alguma vez poder fazer. Levou um toque, porque quis passar pelo buraco da agulha, por um "buraco" onde o cavalo pura e simplesmente não cabia. Com este tipo de touros é impossível fazer melhor, é algo de outra dimensão. Mas o que falta a esta lide para ser histórica, para merecer uma placa na Daniel do Nascimento? Simples. Falta touro. Não existe nenhuma dúvida que Diego Ventura fez tudo o que podia, fez até talvez mais do que podia, dai ser um toureiro de eleição, um génio e os génios superam-se, indo para lá do possível. O problema é que uma lide tem pelo menos três atores, o cavaleiro, o cavalo e o touro. Para atingir o "Olimpo dos Deuses", ambos têm de ser ou estar a um nível de divindade. Na Moita, Diego e os seus cavalos foram Deuses, mas o touro, esse não tinha categoria para este recital. Um touro que não transmite, que não quer "comer" os adversários, que se limita a ir pelo seu caminho, a não chatear, que não "marra", que se limita na melhor das hipóteses a "empurrar". Touros que parece que não marram com medo de estragar os "cornos", nunca permitirão triunfos extraordinários, lides que fiquem na história. E faltando touro, falta bravura, logo falta o sal de qualquer corrida de touros.
Para a pega deste touro, o cabo do Aposento da Moita, escolheu o forcado Salvador Pinto Coelho, outro forcado com poucos touros pegados, mas que esteve bem, calmo e seguro de si. O forcado citou bem, mostrou-se ao touro, mandou-o vir, e ele veio, calmamente, pelo seu caminho. O forcado fechou-se bem, o grupo ajudou bem e a pega consumou-se á 1.ª tentativa. Esteve bem o forcado, não complicando nada a sua tarefa.
3º Touro - João Moura Caetano (Mª Guiomar Cortes Moura - 592 quilos)
João Moura Caetano reaparecia na Moita, depois de uma paragem de cerca de duas semanas por lesão, o que o levou a faltar algumas corridas. Saíu para lidar o terceiro, um touro com 592 kg.
Moura Caetano tinha talvez a tarde mais descansada da época ou pelo menos era assim que a deveria ter entendido. Os seus companheiros de cartel, eram só o cavaleiro mais regular e com mais corridas toureadas das últimas épocas em Portugal e porque não uma das figuras cimeiras da tauromaquia nacional na última década e aquele que discute anualmente com Pablo Hermoso de Mendonza o título de maior figura mundial do toureio equestre. Tudo o que conseguisse era ganho. Não tinha nada a perder. Neste confronto, ficar em em terceiro seria o mais normal. Se conseguisse surpreender e tivesse lides de estalo, então a surpresa jogaria a seu favor. Para isso, teria de jogar ao ataque, por a carne toda no assador e lutar furiosamente pelo triunfo. Infelizmente não foi isso que aconteceu. Entrou claramente à defesa, tentando não comprometer. Dois compridos regulares com o Pidal. Depois, já montando o Xispa cravou quatro curtos regulares. A rever a cravagem dos ferros, já que a ferragem dispersa-se ao longo do touro, algo que sendo incorreto, não é bonito à vista. Fechou a sua atuação com um ferro de palmo, adornado com duas piruetas, já sem brilho, porque o touro perdera a pouca investida que tinha.
Para a pega do 3.º da tarde, o cabo do Aposento da Moita escolheu outro jovem forcado, o João Ventura, cujos dedos de uma das suas mãos chegam para contar os touros que pegou ao longo da sua ainda curta carreira de forcado. Espelhando uma enorme tranquilidade respirando confiança total, afinal a imagem de marca do grupo nesta corrida, citou com classe, mandou na sorte e efetivou uma bonita pega ao primeiro intento.
A tranquilidade desta rapaziada a pegar touros, fazia parecer que as coisas eram fáceis e que os forcados da cara, era forcados experientes com muitos touros pegados e em corridas importantes como esta. Mas não, era jovens, mas que lhes falta em inexperiência, é por eles colmatado em tranquilidade, em garra e em querer. Muito trabalho de casa.
Para lidar o 4 da tarde, que acusou na balança 570 kg, regressou Luís Rouxinol. Luís voltou a demonstrar porque de si se diz que nunca está mal. Dois cumpridos regulares, para depois trocar de cavalo. Já montando a égua Viajante, cravando vários ferros de excelente nota. Encerrou a sua passagem pela Moita com um ferro de palmo, onde ficou mais uma evz demonstrada a enorme qualidade da sua montada, com a Viajante a aguentar uma barbaridade, reunindo de forma muito cingida e rematando com classe.
A passagem de Luís Rouxinol pela Moita ficará assinalada por duas excelentes atuações, onde esteve claramente por cima dos seus oponentes, e onde triunfo maior não ocorreu por falta de toureiro, mas sim por falta de touro. Estes, apesar de bem apresentados, com presença e de não se poderem considerar mansos, pois não se fechavam em tábuas. Mas eram touros que andava quase a "trote", que não carregavam sobre o cavalo, que iam pelo seu passinho, que faziam tudo muito devagarinho. Faltando transmissão, falta emoção. Faltando emoção, dificilmente existem grandes triunfos e Rouxinol foi vítima disso mesmo.
Para a cara do 4.º da tarde, o cabo do aposento da Moita escolheu o forcado Rúben Serafim. Rubem Serafim que a época passada era o rabejador do grupo, dada a renovação que se está a efetuar, passou a forcado da cara e hoje com meia dúzia de touros pegados, é uma das figuras de referência. E mais uma vez não deslustrou. Citou bem, mostrou-se ao touro, mandou-o vir, entrou-lhe bem na cara, mas o touro não se acobardou, entrou pelo grupo dentro, fugiu para a esquerda e com um derrote para baixo, tirou o forcado da cara. Rubem voltou lá, esteve novamente bem, acoplou-se bem ao touro, o grupo desta vez não facilitou e a pega efetivou-se com brilhantismo á segunda tentativa.
Para lidar o 5.º da tarde, com 605 kg, voltou Diego Ventura e voltou muito bem. Este touro, foi o melhor da tarde, aquele que mais transmitia, aquele que mais investia, ainda que sempre com a suavidade do encaste Murube. E Diego Ventura esteve como peixe na água, ou seja, esteve enorme. Saiu à praça montando o cavalo Lambrusco. Com este cavalo recebe novamente o touro em sorte de gaiola e novamente crava um enorme ferro, no sítio exato, junto á cruz. Não existe pois desculpa para ferros descaídos. De seguida, mais um bom ferro curto e troca de tércio e de montada. Foi buscar uma das suas estrelas, o Nazari, e o espetáculo continuou em tom maior. Com este cavalo, mesmo com um touro que investia em "souplesse", cravou ferros extraordinários, ferros impossíveis, com duplas batidas ao pitón contrário e saídas e remates sempre muito ajustados. Depois voltou a ir buscar o cavalo Remate, com o qual voltou, tal como fixzera na primeira atuação, a cravar três ferros de palmo em sorte de violino, pisando sempre terrenos proibidos, que lhe valeram dois toques, mas que o público desculpou dada a coragem demonstrada para pisar aqueles terrenos. Público da Moita de pé e a pedir mais. Ventura fez-lhe a vontade. E cravou um par de bandarilhas, para ser mais exato um par de ferros de palmo, num terreno proibido, que lhe valeu um toque, mas que levantou a praça.
Um recital e um recital de ferragem coloca no seu sítio. Tudo perfeito. Para que a perfeição fosse total e o triunfo tocasse Deus, faltou um pouco mais de transmissão do touro.
Mas que não fiquem dúvidas, uma verdadeira lição de toureio a cavalo.
Mas este foi o melhor touro que pisou a arena da Moita, aquele que era mais bravo, o que investia com mais dureza quer para o cavalo, quer para o capote dos bandarilheiros.
E para a pega deste touro, o cabo José Maria Bettencourt deu mais uma lição de liderança. Este era o touro mais bravo, aquele que nos curros investia contra tudo o que mexia, aquele em que todos mais acreditavam e era o segundo mais pesado da corrida. Logo, para a cara do touro potencialmente mais difícil, vai… o cabo, para dar o exemplo. E foi isso que Zé Maria fez. E foi grande no brinde. Brindou a Nuno Inácio, forcado que gostaria de estar ali, a pegar aquele exato touro e que por lesão se viu fora da corrida, pese todo o seu esforço na tentativa impossível de recuperar da lesão que lhe foi infligida por um touro no Campo Pequeno. E Zé Maria aproveitou tudo o que o touro tinha, para concretizar uma pega perfeita. Mandou no touro, este toureiro a citar, mandou na investida, teve de ir a terrenos proibidos buscar o touro. Este investe de forma rija para o forcado que se alapou literalmente na cara do hasteado, para não mais sair. O Touro entrou pelo grupo, que esteve muito coeso a ajudar, consumando um grande pega à primeira tentativa.
Duas merecidas voltas para cavaleiro e forcado.
6º Touro - João Moura Caetano (Mª Guiomar Cortes Moura - 620 quilos)
E coube a Moura Caetano lidar o último e mais pesado touro da corrida, um touro que acusou na balança 620 kg. Dois cumpridos de excelente nota, talvez dos melhores ferros que cravou nesta sua passagem pela Moita. Montando o cavalo "Aramis" mandou vir o touro, aguentou uma barbaridade junto a tábuas e depois com uma batida ao pinton contrário, cravou de alto a baixo. Dois grandes ferros cumpridos.
Trocou de tércio e de montada, tendo ido buscar uma das suas estrelas, o cavalo Temperamento. E o cavalo deu espetáculo, tendo-se ajustado mais ao touro que o cavaleiro. João Moura Caetano demorou a perceber os terrenos que pisava, tendo resultado reuniões largas, alguns ferros "à pesca" e a ferragem cravada de forma muito dispersa, dispersando-a ao longo do dorso do touro, inclusive ferros demasiado descaídos. Num desses ferros, Moura Caetano fez tudo bem, citou bem, fez a batida ao piton contrário, saiu bem e no momento exato crava ao estribo. Seria sempre um ferro de eleição, não tivesse o mesmo ficado muito descaído. Numa corrida em que nenhum dos seus oponentes falhou, onde todos foram quase perfeitos, onde a única falta foi a bravura dos touros, o erro na cravagem dos ferros atinge enorme visibilidade.
Para a última pega da corrida, foi escolhido o forcado Bernardo Cardoso, até hoje uma dos principais primeiras ajudas do grupo. E foi uma surpresa enorme. Mandão na praça, a mostra-se ao touro, mandou-o vir e alapou-se ao hasteado, com o grupo a ajudar bem, consumando a pega à primeira tentativa.
O curro de touros da ganadaria de Maria Guiomar Cortes de Moura, foi um curro bem apresentado, com dignidade para esta Praça, com boa apresentação, voluntariosos, mas com pouca, muito pouca transmissão, o que fez com que a corrida perdesse emoção. Não se sentiu perigo na Daniel do Nascimento. Uma boa corrida de touros, a que faltou emoção, algo que infelizmente vai sendo usual na nossa tauromaquia. Mesmo assim, os touros da segunda parte, conseguiram transmitir um pouco mais do que os lidados na primeira parte.
Mas sem touros bravos, touros que queiram derrotar os seus oponentes, que não se entreguem, que queiram ser eles os triunfadores das corridas, dificilmente teremos grandes triunfos e grandes corridas.
Se ontem os touros tivessem um pouco mais de transmissão, Diego Ventura teria aberto a porta grande da praça. Mas sem touro bravo, não se pode abrir aquela porta.
Uma última palavra para o grupo do Aposento da Moita. Fez tudo bem. Os touros não foram difíceis, mas os forcados estiveram sempre bem, não complicando em nada a sua tarefa, e resolvendo de forma categórica todos os problemas que lhe foram aparecendo pela frente.
Marcou a tranquilidade que trespassava na cara dos jovens elementos do grupo, os sorrisos tranquilos de todos, mesmo quando chamados a pegar. Nunca se viu ninguém de cabeça perdida. O grupo do Aposento da Moita, espelhou ontem o "modus facient" do seu cabo. Tranquilidade e calma. Saíram em grande e acabam a época em grande forma. Honraram as jaquetas que traziam vestidas e a história do grupo, uma história feita de pessoas, para a qual contribuíram todos quantos lá pegaram, e não apenas alguns, um grupo onde o líder é apenas um o cabo, e todos os outros, ex. forcados e ex. cabos, são apenas conselheiros do cabo.