Todos sabemos as notícias que nos dão. Mas é difícil conhecermos as notícias que não nos dão, os factos que são escondidos, empurrados para um canto ou apenas aflorados. Este tema importante do jornalismo chama-se a armação ou estabelecimento da agenda, mas é mais conhecido pelo nome em inglês: ‘agenda-setting’. Em princípio, nada tem de estranho: uma das principais missões do jornalista é escolher, entre o caos dos acontecimentos do seu país e do mundo, aqueles que lhe parecem merecer ser noticiados.
Todavia, se serve para escolher, a ‘agenda’ também serve para ignorar ou mesmo esconder. No ‘Observador’, Helena Matos escreveu sobre estas "não notícias" que são importantes por revelarem o processo jornalístico. Dava três exemplos: nenhuma notícia sobre os 804 veículos incendiados em França na passagem de ano; o desaparecimento da Grécia das notícias desde que Tsipras e o Syriza se tornaram os executores do duro programa de austeridade imposto pelos credores; o não encerramento da prisão de Guantanamo, promessa de Obama que, depois de eleito, Obama esqueceu e os media também.
Por estes dias, poderia acrescentar-se à lista a nova forma de criminalidade que irrompeu no fim de ano na Alemanha: o assédio físico de mulheres, incluindo violação, por grupos de dezenas ou centenas de homens. Como as vítimas disseram que eles seriam não brancos, talvez do Norte de África, talvez árabes, talvez muçulmanos, os media europeus ficaram bloqueados — e só noticiaram dias depois.
Este bloqueio provoca uma autocensura que é também ela criminosa, pois esconde factos importantes da opinião pública. Temas que causam hesitação moral ou política dos jornalistas (e de uma parte da sociedade) deixam de ser noticiados para que os próprios jornalistas não sejam acusados de ‘politicamente incorrectos’.
Não está em causa a liberdade de escolha das notícias, seja em reflexo da linha editorial, seja pelas escolhas diárias que há que fazer. O que está em causa é o ocultamento de acontecimentos, negando aos leitores, ouvintes e espectadores o conhecimento de factos que eles poderiam considerar importantes. E alguns são mesmo importantes.
Como existe uma espécie de consenso corporativo entre jornalistas, nem pela concorrência entre media se consegue amiúde rasgar a cortina do ocultamento. Há 20 anos, este nefasto ‘agenda-setting’ passava incólume. Hoje, com a Internet e as redes sociais, muitos de nós, curiosos, acabamos por saber das coisas — sem ser pelos media. É um dos problemas do jornalismo português e europeu e uma razão da decadência dos media que perdem leitores ou espectadores.
-----
SIC: Novo passo na mudança da TV nacional Ofim de programas de ‘grande entretenimento’ nas noites de domingo na SIC é um novo passo na mudança da televisão em Portugal. Por razões orçamentais, a televisão generalista vai embaratecendo as suas grelhas. O CM noticiou que a SIC trocará os ‘reality shows’ por novelas, que passam a ocupar sete noites por semana. Serão, aos domingos, uma alternativa aos ‘realities’ da RTP 1 e TVI, mas a SIC afunila no género já mais que dominante. Veremos se a audiência valida a mudança. Ao mesmo tempo, a SIC também dá uma machadada nos gigantes mundiais dos formatos de ‘realities’ e concursos, os oligarcas tipo Endemol ou Fremantle. Num mercado com poucos clientes, ou eles baixam os preços incríveis desses programas ou arriscam-se a perder terreno. E pode ser que a SIC ouse tentar entretenimento fora dos estafados formatos internacionais. É raro na TV, mas por vezes ideias originais e baratas conseguem furar o já visto e obter grande êxito. Ousará?
Já agora: Pequenas lágrimas para um homem…
… mas um grande salto para a política-espectáculo. Obama, o presidente que trouxe o entretenimento à política comum dos EUA, chorou. Foi sincero, mas era só o que faltava no seu enlace com o tele-entretém. O choro chegou dias após a comédia na Casa Branca com Jerry Seinfeld e após muitas presenças em programas de comédia nestes oito anos.