Como previsto, a televisão rendeu-se a Fátima. Não era para menos. Celebra-se o centenário, presidiu o papa Francisco, Jacinta e Francisco foram canonizados. Centenas de milhares de peregrinos palmilharam em romaria de todos os pontos do país. Do estrangeiro vieram muitos. A multidão reuniu-se na esplanada do Santuário.
Numa sondagem para o CM, 62% dos portugueses disseram acreditar nas aparições, incluindo metade dos não-praticantes. O lugar atrai católicos e muitos de outras confissões. Aos cem anos, Fátima tornou-se um espaço de liberdade ecuménica. A mensagem actualiza-se. O catolicismo, ali, também: cada um vai porque quer e pela razão que quer, e todos são aceites. Os adversários de Fátima e das religiões, em especial da católica, calam-se: assustam-se com a multidão e a fé.
A televisão entra em excesso, próprio dos media events, os eventos mediáticos. Qualquer que seja o evento que cheire a maioria ou atraia a maioria, o telecamaleão adapta-se. Ontem fatimista, hoje benfiquista, amanhã ronaldista, depois de amanhã tony-carreirista. Nas transmissões de Fátima, os jornalistas falaram, falaram, falaram. Nem a impressão visual da gigantesca multidão, nem os momentos de silêncio no santuário os calam. No cerimonial católico o silêncio tem um lugar importante: representa o momento em que a religião vivida colectivamente passa a ser vivida individualmente. Pois nem assim se calaram, rendidos apenas superficialmente ao sentido religioso das cerimónias: em todos, excepto na CMTV, falaram, falaram, falaram.
O excesso televisivo, porém, permite também dar voz aos fiéis, a caminho ou já na esplanada de Fátima, o que normalmente não acontece. Ouviram-se declarações espantosas, mostrando a enorme latitude da fé, a sua vivência individual. A soma desses depoimentos confirma uma liberdade inesperada para os que julgam a religião tão monolítica como as suas próprias ideias.
Também previsto, não faltou o encosto político às celebrações. Não se pode condenar a representação política, obrigatória ou de bom acolhimento. O presidente da República esteve como deveria, em função representativa e genuíno no seu catolicismo, sem o sobrepor às funções de Estado, mas sem o esconder. Já o desfile de ministros por Fátima nos dias anteriores e no evento, por dá cá aquela palha, serviu apenas para as imagens de TV. Quanto ao primeiro-ministro, exagerou, como as TVs. Tanto mais quanto Costa esteve em Fátima não como vencedor, mas como derrotado: ele, ateu, vergou à força da multidão religiosa para dela tirar proveito. Não lhe serve de nada, porque para cada festa há uma ressaca.
Quando cantar bem é de admirar
Sobral é um bom intérprete de canções, melhor do que todos os outros que lá passaram. Cantar parece fácil quando se ouve tantas daquelas porcarias de plástico, com meia dúzia de notas e um refrão sem fim aos gritos. Sobral canta, interpreta a canção, e, se primeiro se estranha, depois entranha-se. A representação portuguesa rejeitou o espectáculo de casino que marcou quase todas as outras canções.
A inesperada sobriedade causou um choque positivo: ouviu-se música a sério, um cantor a sério. Dado que o voto é muito motivado pela nacionalidade, o resultado na final não é de facto importante. Mas, claro, quanto mais para cima melhor.
Para a propaganda, Costa até faz de babá
Um colunista escreveu que a tolerância de ponto de sexta era uma maçada — onde deixar os filhos? António Costa viu uma oportunidade para propaganda. Falou-lhe, e ele aceitou que as crianças fossem para S. Bento. Isto só aconteceu para lá estar a câmara a registar o grande acontecimento: Costa com as crianças, e bonecos animados na TV.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt