Eduardo Cintra Torres

A atracção dos media por Fátima

30 de abril de 2017 às 00:30
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O interesse que o centenário de Fátima desperta nos media, em especial nas televisões, está de acordo com o seu interesse público. Fátima é o maior acontecimento religioso nacional. Nas últimas décadas, adquiriu dimensão mundial. Desde Paulo VI, todos os papas vieram a Fátima, excepto João Paulo I, que só o foi por 33 dias (visitou-a um ano antes de ser papa, enquanto patriarca de Veneza, tal como João XXIII).

Se prelados da Igreja portuguesa tiveram um importante papel na sua formalização institucional, Fátima impôs-se por devoção e participação popular. O cardeal Cerejeira disse-o numa expressão lapidar em 1942: "Não foi a Igreja que impôs Fátima, foi Fátima que se impôs à Igreja". Numa perspectiva sociológica, significa que a multidão, neste caso de fiéis, o seu número, a sua visibilidade e, nos primeiros anos, a resistência ao jacobinismo da República, se impôs à sociedade.

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Impôs-se desde a primeira hora aos media, que são uma expressão da sociedade. Logo em 1917, Fátima foi alvo de ampla cobertura em alguns jornais; hoje, centenas de órgãos de comunicação concentram-se no Santuário. E basta olhar para ele: a esplanada está desenhada para a multidão, como S. Pedro, em Roma.

Os media pelam-se por fenómenos de efervescência de multidão e é essa a primeira razão para o seu interesse na cobertura dos eventos. Se há multidão, há audiência. A maioria dos media não manifesta, nas notícias quotidianas, interesse pela actividade da Igreja e seus fiéis. No geral, exprime neutralidade religiosa, mas atrai-a os casos de problemas hierárquicos na Igreja ou a crítica a algumas posições teológicas. Mas isso termina à beira das celebrações em Fátima. Nessa altura, os canais de TV mobilizam-se, quase como se fossem canais oficiais da Igreja; calam-se os contraditores; os repórteres no local vestem-se formalmente, o que por norma não fazem; canais e jornalistas mudam de discurso, como se tivessem sido fatimistas desde pequeninos.

Como camaleões, os media mudam o seu figurino ideológico porque não foi a Igreja que lhes impôs Fátima, foi Fátima que se impôs aos media. Os políticos fazem o mesmo. Quando no poder, mesmo os mais jacobinos ocultam as suas ideias. A tolerância de ponto no dia 12 assinala não só essa desistência como o encosto político ao fenómeno popular. Fazem-no com o futebol, fazem-no com a religião. São como John Singer, o surdo-mudo do romance ‘O Coração É um Caçador Solitário’, de Carson McCullers, que sorri para todos sem nada entender, porque não quer estar só.

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Aos media e políticos, Fátima oferece-lhes o milagre de um banho de multidão por empréstimo. 

O pluralismo não é cumprido

Que o primeiro-ministro queira silenciar o maior partido da oposição com este comportamento autoritário é mau. Mas o que se nota é a mesma tendência nos media, incluindo os canais de TV. Eis os protagonistas nas notícias dos generalistas e cabo de 10 a 23 de Abril: Marcelo, 89 notícias; Costa, 69; ministro da Saúde, 45; Catarina Martins, 40; Centeno, 36; Jerónimo, 34; Assunção Cristas, 22. E Passos Coelho, líder do maior partido? Zero notícias.

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O desequilíbrio em relação à representatividade é gritante. Não cumprem o pluralismo jornalístico. Deturpam a realidade.

Se ‘Baleia Azul’ não é um crime, é o quê?

‘Baleia Azul’ não é um caso de ‘liberdade’, mas de saúde pública. Deveria ser irradiado da Internet, ponto final.

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