Eduardo Cintra Torres

Ficção que finge tão completamente

20 de agosto de 2017 às 00:30
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Um grupo de mulheres parte de Vinhais em peregrinação a Fátima: 400 quilómetros, duas horas e meia de filme (‘Fátima’, de João Canijo). Como em toda a ficção desde que há ficção, o grupo compõe-se de idiossincrasias individuais que originam contradições e pequenos conflitos. Cada uma é o que é, o seu passado, o seu presente. Cada uma peregrina pelas suas razões.

O filme não é documental no sentido em que não pretendeu revelar uma realidade já existente, acompanhando um grupo de vinhaenses.

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As peregrinas são actrizes. Mas imbuíram-se do carácter da vila transmontana e lançaram-se à estrada sem guião fixo. Muitos filmes usam o estilo do documentário para dar uma vibração do real à sua ficção. Mas ‘Fátima’ vai mais longe, dada a aparente inexistência de guião pré-escrito. Como em peregrinação, só há um objectivo: cumprir o sacrifício e chegar ao lugar santo.

A mescla de ficção e documentário pretende ser total. Finge tão completamente que finge que é real o real que deveras sente. O espectador perde-se entre os dois géneros.

As actrizes são elas mesmas e as personagens. É uma peregrinação de actrizes nos seus papéis e de mulheres que por acaso são actrizes. A imersão nas personagens é mais completa do que na maioria dos filmes de ficção.

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Todo o filme usa o estilo audiovisual do documentário. Total unidade estilística.

A realização é como que invisível, como se o realizador quisesse poder filmar sem câmaras, para as actrizes serem ainda mais apenas as vinhaenses na estrada, conversando, discutindo, sofrendo.

Acontece que é um filme de ficção. O argumento tinha linhas de força: mostrar um grupo em peregrinação, contradições entre as mulheres, mostrar no fim a imersão na multidão religiosa de Fátima como vitória do indivíduo sobre o sacrifício e a interrupção ou superação dos conflitos.

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Como em tantas ficções sobre grupos, no final o grupo vence pela soma das vitórias de cada membro.

A ficção acaba por sofrer um pouco com o excesso de documentarismo: como na vida real, há conversas sobrepostas que o espectador tem dificuldade em entender, há uma escassez de drama, de concentração de significados em diálogos curtos, há pessoas que evitam rupturas e as coisas lá vão andando, as actrizes não são argumentistas e ficam-se pelos nossos lugares-comuns do quotidiano.

Não sendo documentário mas ficção, esperar-se-ia um pouco mais de densidade psicológica e dramática. Mas o filme consegue o corte radical com as "tabuletas" de género.

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E, no fim, ironicamente, a ficção poderá ser mais documental do que reportagens em que os peregrinos dizem o que as câmaras querem ouvir. 

Relativismo de ‘esquerda’ e ‘direita’ 

Já não tem como minorar ou até justificar a barbaridade do terror sobre inocentes nalgumas das principais cidades europeias. Mais um prego no relativismo moral foram as terríveis declarações de Donald Trump sobre confrontos entre neonazis e racistas de um lado e seus opositores por outro.

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Após uma segunda declaração acertada contra o neonazismo e o racismo, Trump voltou ao relativismo, dizendo que ambos os lados se equivaliam, como se os valores de uma parte e doutra fossem comparáveis. Desculpou a violência neonazi e racista.

O Ku Klux Klan agradeceu. Vários líderes mundiais foram duros ao negar o relativismo trumpista, que é tão condenável como o relativismo que desculpa o terrorismo islâmico. 

Há milhares ansiando por um lápis azul 

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Em geral, estes democratas são muito de "esquerda". Tão maus como fascistas, neonazis e stalinistas.

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