Celebra-se, amanhã, o vigésimo aniversário da elevação do Centro Histórico do Porto a Património Mundial, uma classificação atribuída pela UNESCO e cuja candidatura uniu diversas instituições e o Município do Porto num processo que teve um sucesso inesperado. Valorizou-se, então, um casco histórico que havia resistido ao camartelo, e que apresentava um elevado grau de vetustez. Realçou-se a arquitetura do ferro, com as pontes sobre o Douro, as igrejas barrocas, o Palácio da Bolsa, as ruas e o edificado privado.
É justo homenagear todos aqueles que se empenharam nessa classificação, e a documentação que então foi produzida é de uma grande qualidade, associando as componentes históricas, urbanísticas, arquitetónicas e sociais. E lembrar que foi essa classificação que, de facto, impediu que esse património fosse delapidado. A verdade, porém, é que ele continuou ameaçado pela ruína. Vale a pena recordar que há dez anos, quando se celebrava o décimo aniversário da classificação, o diagnóstico era extremamente sombrio. Havia uma elevada percentagem de prédios em ruína ou em estado avançado de degradação; a sociedade de reabilitação dava os seus primeiros passos, mas ainda não apresentava resultados relevantes; o espaço público estava mais degradado do que no momento da classificação; o êxodo da população autóctone tinha-se acentuado.
Passada mais uma década, o panorama é muito diferente. A rua das Flores, que muitos imaginavam morta pela pedonalização, renasceu das cinzas; a Mouzinho da Silveira deixou de ser um cenário de guerra; as Cardosas estão ao rubro. Na Ribeira, antes arruinada, o problema inverteu-se: deixou de ser um deserto para ser um formigueiro de gente. Surgiram novas lojas, hotéis e restaurantes, há uma miríade de novas atividades.
Inevitavelmente, os preços dispararam, a pressão sobre as infraestruturas cresceu exponencialmente. A política de preservação deixou de estar centrada na reabilitação física: implica que se combata a gentrificação e que se encontrem soluções de sustentabilidade social e ambiental. É natural porque, a cada nova oportunidade, surge sempre uma ameaça. Ainda assim, quem tem memória concordará que, vinte anos depois, a aposta valeu a pena. E não esquecerá que muitos dos que hoje falam de "overdose" são aqueles que, há dez anos, davam por perdido o esforço de se apostar na classificação do nosso centro histórico.