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Rui Pereira

Casar em Serralves

Se os casamentos se repetirem, será coartado o acesso da comunidade a Serralves.

Rui Pereira 8 de Agosto de 2015 às 00:30
Vale a pena visitar Serralves: o restaurante oferece um bufete económico e agradável, sem empregados anoréticos, prontos a perorar sobre fusões tisnadas de sabores esquisitos; o museu de arte contemporânea renova com frequência exposições que fazem jus ao nome; os jardins exibem, entre outras prendas, um canteiro de rosas gloriosas. Por tudo isto, quando vou ao Porto, reincido na visita e não abri uma exceção na semana que precedeu o "casamento do ano".

Precisamente durante essa visita, ao comprar bilhetes para o museu e o jardim, fui informado, com lealdade, de que havia zonas encerradas ao público para preparar um "evento". Ciente, pelos meus parcos conhecimentos do calendário hagiológico, de que o São João é comemorado em junho, perguntei de que evento se trataria mas esbarrei na discrição (ou ignorância) do funcionário. Dois ou três dias depois, a minha curiosidade foi saciada pelo anúncio da boda.

O primeiro sentimento que me invadiu foi de espanto: os jardins de uma fundação instituída com capitais públicos (e privados) podem ser arrendados para uma boda e vedados ao público? Com toda a consideração que os noivos merecem, temos de reconhecer que, doravante, quaisquer nubentes mais ou menos excêntricos, dispostos a investir os cem mil euros regimentais, devem beneficiar de idêntico tratamento. De outro modo, será violado o princípio da igualdade.

Certo é que as finanças de Serralves agradecem e, além da razão económica, vários argumentos justificam este arrendamento. Em primeiro lugar, a Fundação rege-se por normas de direito privado e beneficia de liberdade contratual. Acresce que a administração teve o bom senso de manter abertos ao público o museu, a biblioteca e o restaurante. Por fim, o povo do Porto e do País, tão carente de pão nos tempos que correm, gozou um merecido momento de diversão.

De todo o modo, se estes casamentos se repetirem, será coartado o acesso do público a Serralves. A comunidade deixará de desfrutar livremente dos jardins e será subvertido o único sentido possível do investimento do Estado naquela Fundação: incentivar a fruição cultural, que, nos termos do artigo 78º da Constituição, constitui direito fundamental dos cidadãos e incumbência indeclinável do Estado – ainda que em colaboração com os restantes agentes culturais.
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