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Rui Pereira

Justiça sem segredo

Violação do segredo de justiça passa despercebida.

Rui Pereira 5 de Fevereiro de 2015 às 00:30

Há uma lei certa e sabida que dispensa explicações metafísicas: a violação do segredo de justiça não existe ou passa despercebida quando estão em causa cidadãos anónimos. Mas quanto mais mediático é o processo e notório é o arguido, tanto mais provável se torna a violação do segredo. Por exemplo, o processo-crime contra o ex-primeiro-ministro José Sócrates prova-o categoricamente. Para além de fonte inesgotável de notícias, ele é responsável pelo quase silêncio que rodeia o chamado processo dos "vistos dourados", em que são arguidos altos dignitários do Estado.

Os acontecimentos mais recentes em torno da "Operação Marquês" confirmam outra regra menos óbvia: em geral, as violações do segredo são irrelevantes na perspetiva do "bem jurídico" protegido pela norma incriminadora, que é, muito precisamente, o êxito da investigação criminal e a descoberta da verdade material. Na esmagadora maioria dos casos, as notícias referem-se a factos – reais ou putativos – que são do sobejo conhecimento dos sujeitos do processo. Está aí em causa, apenas, o chamado "segredo externo", isto é, o conhecimento por parte de terceiros.

Esta constatação transporta-nos para outra questão mais complexa: para que serve o dito segredo externo e qual deve ser o seu âmbito, num sistema que consagra, desde a Reforma de 2007, a publicidade como regra e o segredo como exceção? Um segredo orientado apenas para o exterior do tribunal pode, por vezes, preservar o bom nome do arguido, antes de um julgamento incerto. Todavia, é necessário cumprir o dever de informar. Como reagiriam, afinal, os portugueses à detenção de um ex-primeiro-ministro, se tal detenção não fosse acompanhada de nenhuma explicação?

Talvez o segredo de justiça seja um segredo de polichinelo, cuja violação é impossível evitar. Isso não deveria ser difícil, uma vez que tal violação é um crime que pode ser cometido por qualquer pessoa e não só por magistrados, advogados ou polícias. Sempre foi assim, e a Reforma de 2007 clarificou-o em nome da eficácia. Mas vale a pena repensar a questão: será que podemos equiparar, em sede de ilicitude e de culpa, quem decreta ou tem o dever de guardar o segredo (e o viola) a quem tem o dever de informar e até mesmo o direito de desconfiar do sistema de justiça?

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