Bolsonaro regressou ao Brasil no dia em que Lula devia ter partido numa visita à China. Segundo jornalistas brasileiros, isso serviria para Bolsonaro dizer algo como: “Regresso à Pátria no dia em que Lula cai nos braços da China!” Para seu azar, Lula ficou doente. Há doenças com muito sentido de estratégia. E nem estou a falar das falsas: aí a manha é do falso doente. O mundo está cheio de oportunas ‘doenças’ que nos servem de magnífica desculpa para faltar ao trabalho, a uma reunião chata, até a um jantar de antigos colegas de liceu quando estamos curtos de dinheiro porque o fim do mês este mês chegou mais cedo (sim, João, é uma indireta a ti). Aqui, estou a falar mesmo de doenças que, sendo reais, revelam sentido de oportunidade.
Por exemplo, a doença do Papa. Apesar do divertido nome, uma diverticulite é tudo menos agradável. Trata-se de uma inflamação do intestino que (um momento, não é fácil estar ao mesmo tempo a escrever e a ver a cábula), “pode resultar numa ou mais bolsas em formato de balão”. O que faz sentido, porque os balões são divertidos. Felizmente, Francisco parece estar já melhor e até com boa disposição. Francisco lembra-me Obélix: também caiu em pequeno no caldeirão, só que no dessa outra poção mágica chamada ‘boa disposição’. Agora imaginem que essa chata doença tinha acontecido em vésperas da Jornada Mundial da Juventude. Seria um desastre. Assim, com sorte (e desde que Francisco continue a recuperar) até nem calha mal, pois a Quaresma (calma, por favor, já disse que é difícil ver a cábula enquanto escrevo), “é um momento voltado para reflexões e abstinência de carne”.
Maquiavel escreveu ‘O Príncipe’ há 550 anos. É uma obra-prima cuja leitura aconselho. E, na linha dos melhores livros, dá para os dois lados. Pode ser lido pelos aprendizes de vigaristas como manual para melhor manipular as pessoas. E nós podemos lê-lo como manual de autodefesa para melhor topar as maroscas.
Só que uma doença nunca vem só. Tal como há doenças oportunas, também momentos há em que, mesmo doentes de verdade, é crucial fingir que não o estamos. A História está cheia líderes que, não passando bem, têm de parecer não estar nada mal. Alguns foram mesmo guardados no frigorífico até o anúncio do seu estado ser “oportuno”.
doenças dos livros
Os livros de James Bond vão ser reeducados, tirando a linguagem suscetível de poder ofender. E com razão: o danado do 007 era violento e tinha licença para matar. Nada de receio: James Bond vai poder continuar a ser violento e a matar que se farta. Mas ofendendo menos.
DOENÇAS DOS LIVROS II
A moda de enviar os livros para um campo de reeducação tem um lado bom: é quase só anglo-americana. Só que as manias anglo-americanas são, hoje em dia, altamente contagiosas. Mal por mal, antes a França, onde um livro até passa vergonhas se não ofender algumas boas almas.
DOENÇAS DOS LIVROS III
O editor Manuel S. Fonseca é duplamente meu vizinho: aqui e na vida real. Da próxima vez que nos encontrarmos para uma bica curta, a ver se me lembro de lhe perguntar o que acha de reeditar o ‘Mein Kampf’ do Hitler. Só que, claro, agora sem as partes ofensivas.
No posto de trabalho
Uma jovem advogada (39 anos) morreu a trabalhar. Não lhe deram baixa de doença, apesar de ela ter dito que estava com um cancro terminal, facto que se veio a provar da pior forma. Presumo que agora lhe peçam desculpa, digam que foi um ‘erro técnico’, etc. Já tínhamos visto o mesmo com uma professora; essa até foi presente a uma junta médica. Também morreu. Nem todos temos doenças fatais a tolher-nos a vida, mas é um facto que, se até um carro ao fim de uns anos começa a dar problemas, quanto mais um corpo. Hoje dura-se mais tempo, mas não é seguro que essa duração estatística corresponda a uma boa vida. A França tem razão.
Duas luzes
Tive o privilégio de visitar o Centro Ismaili de Lisboa logo após a sua construção. Fui lá levado por amigos (olá, Zohora) e fiz lá amigos. Fiquei a conhecer melhor uma comunidade há muito implantada cá. Não conheci as duas assistentes sociais assassinadas. Mas, pelas pessoas que conheço, tanto naquela comunidade como naquela profissão (das mais nobres que há), tenho a certeza de que Mariana e Farana eram pessoas incríveis, generosas, de empatia imediata e que, passados minutos, parece que fomos amigos desde sempre. Gosto muito que na comunicação social tenham usado fotos delas a sorrir. Merecem ser lembradas assim.