"Malandro não pára, malandro dá um tempo."
O filme ‘Cidade de Deus’ teve o condão de levar a realidade das favelas do Rio de Janeiro a todo o Mundo, mas deixou também um legado de frases marcantes, a grande maioria das quais eu não estou autorizado a reproduzir neste espaço que pode ser lido por menores e pessoas mais impressionáveis. O certo é que, durante meses, fui mimetizando os personagens, no meu melhor sotaque brasileiro. "Dadinho é o c...! Meu nome agora é Zé Pequeno, porra!". Peço desculpa, não resisti.
Albufeira, 30 de novembro de 2007, 21h00. Três jovens aproximam-se da frutaria – e minimercado – com o mesmo nome da cidade algarvia. Todos com as cabeças parcialmente cobertas pelos carapuços das respetivas camisolas. Um ficou à porta, enquanto os outros dois entraram com facas de cozinha nas mãos. "Nós somos brasileiros! Abre a caixa já!".
O grito surpreendeu as duas mulheres presentes no estabelecimento. Pudera. Primeiro, nunca tinham visto ladrões a apresentarem-se, exclamando a nacionalidade como se estivessem no SEF a exigir um visto de residência. Geralmente, os larápios até poupam na informação. "Olá, sou o Roberto, 22 anos, português, tipo sanguíneo A positivo, moro numa rua aqui perto. Isto é um assalto". Em princípio, não acontece.
Depois, a prestação ao nível do sotaque de bandido brasileiro foi sofrível. Pobres rapazes, certamente nunca terão visto ‘Cidade de Deus’. Nem um "porra", nem "bagulho", nada.
Nervosos, empurraram a única cliente e saltaram o balcão, ameaçando a funcionária, que teve de esvaziar a caixa de todo o apuro do dia. Levaram 700 euros e fugiram, num crime que foi registado pelas câmaras de videovigilância da loja. Às autoridades, as duas vítimas não mostraram dúvidas: apesar do esforço em disfarçar as identidades, numa atitude até algo xenófoba, eram novinhos e, sem dúvida, portugueses.
Três dias depois, segunda-feira, outra vez de noite e agora como clientes, os três amiguinhos, a rondar os 16 anos e residentes ali perto, voltaram à frutaria Albufeira. A funcionária já era outra, porém, tinha visto as gravações do assalto. Reconheceu-os, manteve-se calma e serviu-os. Uma garrafa de cerveja? É para já. Assim que os rapazes saíram, pegou no telefone e chamou a GNR, que os apanhou a beber num parque. E agora? "Se correr, o bicho pega. Se ficar, o bicho come". Ficaram e foram detidos. Ou pegos.