Lógica de pai merceeiro

Rui terminou a licenciatura em Economia com boa nota final. O pai, Jacinto, merceeiro dos antigos, encheu o peito de orgulho e vieram-lhe as lágrimas aos olhos. "O neto do Ti Manel é doutor! Ai se o teu avô fosse vivo!" Jacinto, sagaz e precavido, achou por bem trespassar a mercearia e arrumar de vez o livro dos fiados. Com razoável pé-de-meia, decidiu gozar descansado os dias que hão-de vir. Rui arranjou trabalho em empresa de renome e juntou os trapinhos com uma jovem professora que Jacinto toma por "boa rapariga". O rapaz, atento às modernidades, segue a preceito os índices e as análises económicas e financeiras. Esta semana, informou o pai que uma famosa revista britânica distinguiu Portugal como a "Economia do Ano" entre os 36 países mais ricos. E passa a explicar ao pai que a escolha diz respeito a vários indicadores: desvio da inflação, PIB, emprego e desempenho da Bolsa de Valores. O turismo ajuda muito. Jacinto queda-se confuso mas interessado. "Não percebo! A comida está cada vez mais cara..." Rui avança com o crescimento de 1,9% face ao período homólogo de 2024. Jacinto tenta argumentar. "Mas há cada vez mais pobres!" O velho merceeiro é um prático intuitivo. Não sabe que as estatísticas apontam para 2,1 milhões em risco de pobreza ou exclusão social e 1,8 milhões a viverem com menos de 632 euros mensais. E ignora que o filho economista ganha uns apertados 1200 euros brutos por mês. Rui insiste que o pai está agarrado a velhas ideias de merceeiro. "Pai! A economia está a mexer e a crescer!" Jacinto suspira e não resiste ao remoque. "Ai está a crescer?! Olha! Tenho ali os papelinhos dos teus fiados! Dizes sempre que pagas depois!"