Barra Cofina

Correio da Manhã

Política
9

Inspeção de Finanças esconde depoimento do gestor financeiro da TAP

Nos documentos da auditoria enviados não consta o testemunho do administrador financeiro da companhia aérea, Gonçalo Pires.
António Sérgio Azenha e Miguel Alexandre Ganhão(miguelganhao@cmjornal.pt) 30 de Março de 2023 às 01:30
A carregar o vídeo ...
Inspeção de Finanças esconde depoimento do gestor financeiro da TAP
A Inspeção-Geral de Finanças (IGF) não enviou à comissão parlamentar de inquérito à TAP o depoimento que o administrador financeiro da companhia aérea fez no âmbito da auditoria à indemnização de 500 mil euros que a TAP pagou a Alexandra Reis, sua ex-administradora e ex-secretária de Estado do Tesouro. Gonçalo Pires, gestor próximo do ministro das Infraestruturas, João Galamba, é ouvido esta quinta-feira na comissão parlamentar e será questionado pelos deputados sobre o seu eventual conhecimento do pagamento da indemnização milionária a Alexandra Reis. Os deputados deverão perguntar, por exemplo, quem deu a ordem de pagamento da compensação.

O depoimento de Gonçalo Pires foi um dos documentos, relativos à auditoria da IGF à TAP, que os deputados da comissão parlamentar solicitaram à IGF, que é tutelada pelo Ministério das Finanças. Segundo apurou o CM, a IGF enviou à comissão parlamentar o relatório da auditoria e os anexos que foram divulgados, no dia 6 de março, quando os ministros das Finanças e das Infraestruturas apresentaram as conclusões dessa auditoria.

O conteúdo das declarações do administrador financeiro da TAP é considerado relevante para perceber se o gestor teve conhecimento da saída de Alexandra Reis da TAP, do pagamento da respetiva indemnização de 500 mil euros, e se foi ele que deu a ordem final do pagamento dessa compensação financeira à ex-administradora da companhia aérea.

A ocultação das declarações do administrador financeiro da TAP não é nova. No relatório da auditoria ao pagamento da indemnização a Alexandra Reis, a IGF refere que foi realizada uma reunião com Gonçalo Pires, mas o depoimento do administrador financeiro não foi divulgado. Segundo a IGF, as declarações do administrador financeiro da TAP são irrelevantes.

A verdade é que, pelo cargo que ocupa na TAP, o depoimento de Gonçalo Pires poderá ser decisivo para perceber como a companhia aérea pagou uma indemnização milionária sem que o acionista Estado tivesse sido disso informado. Na sequência da auditoria da IGF, o Governo demitiu Christine Ourmières-Widener, presidente executiva, e Manuel Beja, presidente não executivo, mas manteve Gonçalo Pires na administração. Foram Christine e Beja que assinaram, enquanto administradores, o contrato de rescisão laboral de Alexandra Reis com a TAP.

PORMENORES
Posição do inspetor
O inspetor-geral de Finanças disse esta quarta-feira que a IGF vai enviar à comissão parlamentar de inquérito vários documentos adicionais que foram solicitados pelos deputados, mas não indicou quais.

Plano ‘otimista’
Uma das objeções de Alexandra Reis foram as projeções do Plano de Reestruturação que considerou "demasiado otimista", nomeadamente em termos de aumento de receitas.

Declarações falsas
O ex-secretário de Estado Hugo Mendes pediu para ser ouvido uma segunda vez junto da IGF. O inspetor-geral disse que houve um "esquecimento" e não "falsas declarações".

Questão da língua impediu audição de CEO
A Inspeção-Geral de Finanças (IGF) não ouviu presencialmente a CEO da TAP por causa de uma “barreira linguística”. A justificação foi dada esta quarta-feira pelo inspetor-geral de Finanças na primeira audição da comissão de inquérito à tutela política da TAP. “Falamos línguas diferentes. Quando esteve na comissão parlamentar, a CEO utilizou a questão da língua para não responder a algumas perguntas”, afirmou António Ferreira dos Santos, acrescentando que a IGF deu todas as oportunidades a Christine Ourmières-Widener para ser ouvida, por escrito ou presencialmente, mas a CEO da TAP não terá respondido à IGF.

Uma outra questão analisada pela comissão foi a eventual responsabilidade do administrador financeiro (CFO), Gonçalo Pires, no pagamento da indemnização à administradora.

“Eu não consigo precisar se o doutor Gonçalo Pires teve conhecimento ou não da indemnização, eventualmente, poderá ter tido, ele não nos afirmou ter conhecimento dessa indemnização, tanto quanto me recordo”, disse António Ferreira dos Santos, acrescentando que o “único documento oficial foi subscrito por duas pessoas (Manuel Beja e Christine Ourmières-Widener) e foi sobre essas que nós entendemos que recaíam responsabilidades”.

O responsável da IGF adiantou ainda que a auditoria apurou que “existiu uma conversa inicial em que a CEO tentou de alguma forma retirar competências a Alexandra Reis, e no momento seguinte entendeu que não estavam reunidas condições para continuar a trabalhar com ela”.

Pedro Nuno deu autorização através da "troca de símbolos" 
O inspetor-geral das Finanças criticou esta quarta-feira “o elevado grau de informalidade” com que o ex-ministro Pedro Nuno Santos aprovou a indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis.

António Ferreira dos Santos chegou a adiantar que o Governo, através do ex-secretário de Estado Hugo Mendes, regateou o valor da indemnização e, numa mensagem em inglês por WhatsApp, comunicou com a TAP que “só pode ser 500 K, o ministro está de acordo com tudo. Feche o negócio”. Mais, o ministro Pedro Nuno Santos em todo este processo respondia “através de símbolos que significavam qualquer coisa”.

TAP mentiu ao regulador da Bolsa
A TAP mentiu à Comissão de Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) ao dizer que Alexandra Reis renunciou ao seu cargo de administradora. Confrontado por Mariana Mortágua (BE), o responsável máximo da IGF afirmou: "Não podemos falar numa renúncia porque ela não existe. Foi convidada a sair e propôs uma compensação por isso. O comunicado à CMVM não é verdade. É um despedimento por mútuo acordo, o que não existe no gestor público."

Assumiu pasta após demissão de Pedro Nuno
João Galamba foi nomeado ministro das Infraestruturas após Pedro Nuno Santos ter apresentado a demissão do cargo, na sequência de o CM ter revelado que a TAP pagou uma indemnização de 500 mil euros a Alexandra Reis, em fevereiro do ao passado, para sair da empresa.

Sem respostas
Esta quarta-feira, o CM questionou o Ministério das Finanças sobre o não envio do depoimento de Gonçalo Pires à comissão de inquérito, mas não obteve resposta.

Com páginas ocultas
A Iniciativa Liberal diz que o Ministério das Infraestruturas enviou à comissão parlamentar de inquérito o plano de reestruturação da TAP com dezenas de páginas rasuradas nas versões digitais e de papel. Os deputados Carlos Guimarães Pinto e Bernardo Blanco já pediram que os documentos fossem enviados completos.

Ver comentários
C-Studio