Conheça as falhas de comunicações que deixaram vítimas do fogo do Pedrógão Grande sem assistência
Registo das comunicações revela falhas em momentos cruciais da tragédia.
O registo de comunicações dos meios de socorro, bombeiros e GNR durante o fogo de Pedrógão Grande mostra que várias pessoas ficaram sem assistência por falha na transmissão de alertas. várias delas estavam em situação aflitiva, cercadas pelo fogo, mas o pedido de ajuda não chegou ao posto de comando que coordenava o combate aos incêndios que mataram 64 pessoas.
O CM teve acesso ao ofício que a Autoridade Nacional de Proteção Civil enviou ao gabinete do Primeiro-ministro, em resposta ao pedido de António Costa sobre as falhas no sistema de comunicações.
A ANPC enviou um relatório que detalha os momentos em que se registaram falhas no sistema de comunicações - são 30 momentos em que as diferentes entidades reportam problemas no envio e receção de mensagens cruciais.
Em vários momentos de sábado - dia em que começou o fogo - e até à segunda-feira seguinte, houve falhas graves no sistema, especialmente na rede SIRESP, que deveria pôr em contacto polícias, bombeiros, meios de socorro e proteção civil.
O que se percebe nas gravações é que o sistema falhou repetidamente desde o final da tarde de sábado e durante a madrugada de domingo, a altura em que morreram a maior parte das vítimas. O que contradiz o que disse Vaz Pinto, comandante da Proteção Civil, que num dos briefings com jornalistas disse que o SIRESP "não tinha tido falhas superiores a um minuto". Na altura, o responsável garantiu que as comunicações não comprometeram o socorro.
Esta espécie de "caixa negra" da Proteção Civil resulta do Sistema de Apoio à Decisão Operacional (SADO) da ANPC. Regista, entre outros parâmetros, a sequência ordenada dos principais acontecimentos e decisões operacionais.
Entre as dezenas de situações reportadas, há desde as simples constatações de falha de rede à impossibilidade de contacto com o posto de comando perante vítimas em perigo. O documento em anexo neste artigo lista todas as ocorrências, mas saltam à vista os casos que envolvem vidas em risco:
De acordo com o documento da Proteção Civil, pelas 19h45 de sábado, cerca de cinco horas depois do início do fogo, acontece a primeira falha. É a esta hora que o inferno das chamas cerca várias aldeias e encurrala os condutores que circulavam na EN 236. O 112 informa que estão três pessoas cercadas pelo fogo numa casa devoluta da aldeia de Casalinho. Mas as tentativas de contacto com o CDOS e o Posto de Comando não resultam;
Cinco minutos depois, pelas 19h50, o CDOS de Coimbra tenta contactar o Posto de Comando para dar conta da situação aflitiva de pai e filho, em Troviscais. Não consegue fazer a ligação;
As gravações dão conta de que os meios presentes no local trocaram várias vezes de frequências rádio e houve pedidos para reposicionar as antenas. Mas, pelas 21h28, há um novo alerta que não chega ao Posto de Comando - em Ramalho, Vila Facaia, há uma habitação a arder, com uma vítima queimada;
Tal como não se consegue avisar o Posto de Comando da aflição de um homem de 75 anos que, pelas 21h47 pediu ajuda por ter a casa a arder, em Sarzedas do Vasco;
Situação parecida repete-se às 22h45. Um homem pede ajuda porque está com a mulher a fugir de casa, que arde. A senhor está refugiada dentro do carro. O Posto de Comando não recebe a mensagem;
Ao início da madrugada de domingo, pelas 1h02, o CDOS de Leiria pede intervenção urgente da PT para solucionara as constantes quebras nas comunicações. Solicita o apoio para levantar as vítimas mortais que estão na EN236, uma vez que é necessário desobstruir a estrada para a circulação dos veículos de socorro.
Pouco depois é reportada uma avaria no veículo que repete o sinal do SIRESP. Um outro veículo para reforçar o sinal só tinha hora prevista de chegada ao teatro de operações pelas 4h00;
Pelas 8h07, a Força de Intervenção Rápida da União Europeia pede para abastecer os veículos de combustível usando os meios da câmara de Figueiró dos Vinhos. Mas o município não tem contactos, tal como o de Pampilhosa da Serra. Um telemóvel de um funiconário deste último município é o ponto de contato que permite o abastecimento.;
Às 11h10, é reportado que arde uma casa com uma idosa lá dentro, em Pinheiro da Piedade. Comunicações falham. Pelas 11h30, chaga a comunicação de que três pessoas, uma menina, uma adulta e uma idosa estão a ser assistidas no local e têm de ser retiradas.
Pelas 21h40 é reportado que "a sobrecarga de comunicações" impede contacto telefónico com os presidentes de câmara de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos. O CDOS de Leiria convoca os autarcas por sms para um briefing
Ao longo de todo o dia de domingo, são várias as situações reportadas de falhas de comunicação entre o posto de comando, os centros de operação distritais (CDOS) e operacionais no terreno. Pelas 3h32 de segunda-feira técnicos da PT estavam no local a avaliar os estragos nos cabos que deveriam assegurar as comunicações.
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