GOSTO MUITO DE REMOVER O LIXO
“Não gosto que me chamem ‘Almeida’. As pessoas que o fizeram parecia que queriam humilhar-me e não havia nenhuma razão para o fazerem”, assegurou ao CM Maria Leonor Francisco, cantoneira da Câmara Municipal de Lisboa desde Janeiro de 1995.
Sempre ao serviço no Posto das Garridas, um dos cinco que constituem a Zona 7 – freguesias de S. Domingos de Benfica, Benfica e Carnide –, Maria Leonor confessou-nos que gosta muito do seu trabalho, porque assim contribui para melhorar a qualidade de vida das pessoas.
‘Almeidas’ eram, sobretudo até à década de 70 – depois caíu em desuso –, o nome porque eram conhecidos os cantoneiros de Lisboa. Maria Leonor desconhece a razão, mas no Departamento de Higiene Urbana e Resíduos Sólidos da Câmara de Lisboa falam de duas versões.
Uma refere que os primeiros profissionais de limpeza de Lisboa eram quase todos oriundos de Almeida, Beira Alta, e por isso lhes chamavam ‘Almeidas’; a outra conta que, na altura da 1.ª República, o pessoal da limpeza da cidade apoiava, em força, o presidente António José de Almeida e passaram, por isso, a ser conhecidos por ‘Almeidas’.
Mas foi para ser cantoneira – nome derivado de cantão, designação utilizada para definir o espaço de intervenção –, que Maria Leonor concorreu, aconselhada pelo marido – também ele cantoneiro há 16 anos –, depois de perder aquele que tinha sido o seu primeiro emprego.
“Trabalhava numa fábrica de cosméticos, na Amadora, que faliu e tive de arranjar outro emprego. Já estava dentro do assunto, por ouvir o meu marido falar, e gosto muito do que faço. É verdade que é um trabalho duro, sobretudo o corte, porque temos de andar com a roçadora ao ombro. E se ao princípio a máquina só pesa 4,5 quilos, com o passar das horas pesa muito mais. E depois, como é um trabalho ao ar livre, estamos sujeitos aos rigores do tempo”, lembra Maria Leonor.
No entanto, existem tarefas cujo desempenho deixam a ‘nossa’ cantoneira muito satisfeita.
“Gosto muito de remover o lixo e, sobretudo, da lavagem. Acho muito bonito quando olho para trás e vejo o chão lavado. Nesses momentos sinto que estou a contribuir para melhorar a imagem da cidade e a qualidade de vida das pessoas que moram ou passam naquelas zonas. E sinto pena que essas mesmas pessoas não colaborem mais, principalmente os donos de animais que sujam os passeios e deixam ficar ali os ‘presentes’. Há mesmo passeios que são uma autêntica vergonha e nós não podemos passar lá a todo o momento”, lamenta Maria Leonor.
Assim como lamenta também o facto de não poder progredir na carreira, por só ter a 4.ª classe.
“Tenho pena de não poder seguir o exemplo do meu chefe de serviços, que também começou por ser cantoneiro. Mas ele tem mais estudos. É por isso, para poder proporcionar um futuro melhor aos meus filhos – a Marlene, de 19 anos, e o Daniel, de dez – que além de cumprir o horário (das 08h00 às 11h30 e das 13h00 às 16h30) ainda faço mais três horas extraordinárias por dia, uma de manhã e duas à tarde. Custa-nos, a mim e ao pai – que também faz quatro horas extras por dia – estarmos tantas horas longe deles, mas só assim podemos ajudá-los. E a Marlene já anda na universidade”, diz de novo a sorrir.
A varredura do Mercado de Benfica estava feita e o lixo que os feirantes deixaram nas imediações foi removido. Tal como dois montinhos de pontas de cigarro junto ao passeio, certamente despejados dos cinzeiros de duas viaturas.
“Viu? Então os donos dos carros não podiam evitar isto?, questionou então Maria Leonor.
HÁ BONS E MAUS ACHADOS
Nos nove anos que leva de cantoneira, Maria Leonor já teve bons e maus achados. Entre os primeiros recorda: “Uma vez achei uma carteira, que até tinha alguns contos de réis. Telefonaram a avisar a dona, e ela, muito contente, veio cá buscá-la ao Posto. E quis conhecer-me para me... dizer obrigado”. De repente o sorriso maroto dá lugar a uma expressão de pesar e a cantoneira fala-nos dos maus achados: “Do que gosto menos, porque me mete impressão, é de encontrar animais mortos”.
O último caso aconteceu num terreno junto à estrada da Damaia. Quando cortava ervas e mato, Maria Leonor deu de chofre com um enorme gato morto e procedeu segundo as normas. O gatil foi avisado e o animal recolhido para ser incinerado.
08h15: REMOÇÃO
A primeira tarefa do dia foi remover o lixo proveniente de vários quintais e jardins no Bairro de Santa Cruz, em Benfica. Todas as quartas-feiras, se houver pedidos dos moradores registados no posto, o lixo é removido gratuitamente.
09h00: CORTE
As ervas e o mato que cresceram num espaço entre as estradas da Damaia e Militar, na ‘fronteira’ com a Venda Nova, Amadora, foram cortadas. Evita-se, assim, a criação de focos de salubridade ou a acumulação de lixo.
10h00: LIMPEZA
A limpeza de sarjetas é feita com um rodo, utilizado também para retirar a grade de protecção. Os achegos serão levados mais tarde.
10h45: LAVAGEM
A água projectada pela mangueira “leva tudo à frente. É o meio mais eficaz de limpeza”, assegura Maria Leonor.
14h00: VARRER
A varredura do Mercado de Benfica e da área adjacente, onde funciona um mercado de levante, entre as 07h00 às 14h00, é tarefa de todas as tardes.
A Câmara Municipal de Lisboa tem actualmente 1300 cantoneiros ao seu serviço nas oito zonas de limpeza da cidade e está aberto um concurso para o preenchimento de mais 183 lugares. Os candidatos devem ter mais de 18 anos e o 9.º ano de escolaridade. O ordenado de entradaé de 471.70 euros.
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