Lei agrava o recurso às armas
A posse de facas e de armas de fogo ilegais passa a prever prisão preventiva, até nos casos em que a pena máxima aplicável seja inferior a cinco anos de cadeia. Esta punição serve tanto para a posse como para todos os crimes praticados com recurso a armas – nestes casos as polícias passam a poder deter um suspeito fora de flagrante delito. São as propostas principais de alteração à Lei das Armas, que hoje estará em discussão no Parlamento, e que visam reforçar o combate à última vaga de criminalidade violenta no País.
Entre as várias alterações ao Código de Processo Penal (CPP), em 15 de Setembro do ano passado, a prisão preventiva passou a ser aplicável só aos crimes com penas superiores a cinco anos de cadeia. No caso da detenção de armas ilegais, a posse de arma branca passa a ser punível até quatro anos de prisão – mas é abrangida por um regime de excepção do CPP que vai permitir aos juízes aplicarem a prisão preventiva .
A detenção fora de flagrante delito "não entra em colisão com o CPP", que não será alterado, uma vez que este só proíbe a hipótese de detenção fora deflagrantedelito "quando alguém é notificado para se apresentar ao juiz e efectivamente se apresenta voluntariamente", diz ao CM um jurista ligado à elaboração das propostas de alteração na lei.
Os pressupostos da prisão preventiva "mantêm-se, não podem ser violados". As alterações à Lei das Armas, acima de tudo, "visam clarificar a actuação das polícias".
As penas para os crimes com armas são também agravadas em um terço, mas só se aplicam se não estiver estabelecida outra agravação mais grave, ou se o uso da arma não for já um elemento do tipo de crime.
ATRASOS NAS PERÍCIAS IMPEDEM PREVENTIVAS
A prisão preventiva pela posse de armas ilegais, conforme está prevista na alteração à Lei das Armas, obriga a uma perícia prévia à arma de fogo apreendida a cada suspeito – para se apurar se a mesma está ou não em condições de disparar. Só que, na prática, são raros os casos em que essa perícia é feita em tempo útil – quando o Ministério Público o solicita com carácter de urgência. O Laboratório de Polícia Científica (LPC), sediado num edifício da Judiciária de Lisboa, "chega a ter atrasos de dois e três anos a concluir as perícias solicitadas", por falta de meios técnicos e humanos, adianta ao CM fonte policial.
É o único laboratório do País responsável pela análise a todas as armas apreendidas de norte a sul e, com a aplicação da nova lei, "vai acabar por inviabilizar muitas das eventuais decisões de prisão preventiva" – ninguém pode ficar preso por posse de arma ilegal sem ficar registado, por comprovativo pericial, que a mesma está em condições de disparar. O mesmo problema pode levar a que apenas "dois a três anos" depois o laboratório conclua que uma arma não foi utilizada na prática de um crime. "A falta de provas iliba um suspeito que, entretanto, pode já ter passado meses a fio em prisão indevida...".
JUÍZES COM DÚVIDAS CONSTITUCIONAIS
A nova lei das armas suscita dúvidas constitucionais à Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) que alerta para a criação de um "regime especial de detenção de cidadãos". Em causa estão alguns crimes previstos no diploma, que, apesar de não reunirem os pressupostos exigidos no Código de Processo Penal (CPP), passam a prever a aplicação da prisão preventiva - pena superior a cinco anos de prisão. Exemplo disso é o uso e porte de armas sob efeito de álcool ou estupefacientes, punível com pena de prisão até um ano.
Num parecer ontem divulgado, os juízes sublinham que a " vontade do legislador em alargar o âmbito da possibilidade de detenção" surge na sequência "das dificuldades que se fizeram sentir" após as alterações ao CPP, mas questionam se a lei das armas se sobrepõe ao CPP. Por outro lado, recordam que a Constituição, na revisão de 1997, consagrou o regime excepcional da preventiva, questão que leva os juízes a suscitarem dúvidas sobre a constitucionalidade do diploma.
REACÇÕES
O Código Processo Penal deve ser aplicado a todo o tipo de crime e não é um bom princípio o Governo pretender [com alterações à Lei das Armas] introduzir uma excepção".
Fernando Negrão PSD
Não resolve o problema do aumento da criminalidade, pois deixa de fora dois terços dos crimes que justificam prisão preventiva".
Nuno Melo CDS
As mudanças ao regime de prisão preventiva devem ser feitas no CPP e não na Lei das Armas".
António Filipe PCP
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