"Não é a nossa vontade estar numa barraca, mas é o nosso abrigo": moradores do Talude temem mais uma noite ao relento

Esta terça-feira foram demolidas quatro habitações, mas os trabalhos foram suspensos por decisão judicial.

15 de julho de 2025 às 19:12
Demolição de barracas no Bairro do Talude Militar, em Loures Foto: Sérgio Lemos
Após demolições em Loures, moradores do Bairro do Talude temem nova noite ao relento Foto: Rodrigo Antunes
Moradores do Bairro do Talude, em Loures, temem dormir ao relento após demolições Foto: Sérgio Lemos

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Um dia depois de verem as suas habitações precárias demolidas, as 51 famílias do Bairro do Talude, em Loures, continuam sem alternativa habitacional e temem dormir mais noites ao relento ou depender da caridade de familiares.

No Bairro do Talude, no concelho de Loures, já às portas da cidade de Lisboa, o cenário esta tarde era de destruição. Lixo e restos de entulho misturavam-se com vestígios daquilo que já serviu de habitação para cerca de 160 pessoas, sendo visíveis, entre chapas de zinco e madeiras, colchões empilhados, sofás, cadeiras, vários tipos de eletrodomésticos e brinquedos.

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Depois de segunda-feira ter sido um dia tenso naquele bairro, devido à demolição de 51 habitações precárias, o ambiente esta tarde era mais calmo e os poucos moradores que ali se encontravam faziam contas à vida, como constatou a agência Lusa no local.

Esta manhã ainda foram demolidas quatro habitações, mas os trabalhos viriam a ser suspensos por decisão judicial.

Alheios a esta realidade, algumas crianças brincavam entre os escombros, enquanto alguns adultos improvisavam algumas soluções para confecionar uma refeição ou para tentarem reerguer as casas.

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"Sem solução, a nossa vida passa pelo Talude. Podem deitar a nossa casa abaixo que nós vamos reconstruí-la", gritou um morador.

À falta de solução habitacional, a maioria das famílias desalojadas dormiu ao relento, em colchões, sendo que as restantes, ou pernoitaram numa igreja evangélica existente no bairro, ou recorreram a outras alternativas.

Uma das moradoras que aceitou falar com a agência Lusa, contou que aproveitou o facto de estar a trabalhar por turnos para pernoitar no local de trabalho.

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"Ontem [segunda-feira] eu dormi no trabalho e saí esta manhã. Hoje não sei onde vou dormir. Os meus filhos dormiram com a minha mãe", relatou Otinísia Santos.

Sem dinheiro para pagar a renda de uma casa, esta moradora explicou que a única alternativa viável é continuar no Talude.

"Temos de improvisar aqui. Não é fácil, mas a gente vai lutar. Não tem como", afirmou com ar cabisbaixo.

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Mais revoltado, outro morador, que não se quis identificar, contou que teve de dormir a noite passada ao relento, "por debaixo dos escombros" daquilo que restou da sua antiga casa, onde viviam cinco pessoas.

"Foi muito doloroso ver a casa que tu construíste pela tua própria mão ser abatida. Não é nossa vontade estar aqui numa barraca, mas é o nosso abrigo. Conseguimos proteger-nos do frio, da chuva e do calor. Estamos abrigados", apontou.

Também sem alternativa, este morador conta voltar a dormir esta noite debaixo dos escombros.

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"Quem mandou fazer essa demolição deveria estar no nosso lugar para imaginar o sofrimento que nós estamos a passar", afirmou indignado.

Em comunicado, divulgado esta terça-feira, a Câmara de Loures deu conta que uma das 51 famílias do Bairro do Talude Militar com casas precárias demolidas na segunda-feira pela Câmara de Loures "foi encaminhada para um centro de acolhimento" e outras duas "para uma unidade hoteleira", não dando informações sobre a situação das restantes.

Presente no bairro a dar apoio às famílias esteve esta tarde Edy Santos, do Movimento Vida Justa, que classificou a situação de "alarmante" e acusou o executivo municipal de Loures, liderado por Ricardo Leão (PS), de nada fazer.

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"Não diga que 62 crianças que estão ao relento e mais os seus pais fizeram isto propositadamente para conseguir casa. Que pai coloca um filho numa condição de miséria extrema ao ponto de só querer conseguir uma casa ou passar à frente?", questionou.

O ativista alertou para a possibilidade de as famílias voltarem a dormir esta noite na rua, caso não sejam oferecidas alternativas viáveis.

"Muitas delas vão continuar a dormir aqui. Conseguiu-se com a pressão que foi feita com a Segurança Social criar um mecanismo em que as famílias que estavam mais em risco e com crianças com muita vulnerabilidade fossem acolhidas, mas a maior parte delas está aqui", apontou.

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No terreno esteve também presente o vereador da CDU, sem pelouros, Gonçalo Caroço que defendeu a interrupção das demolições e instou a Câmara de Loures e o Governo a arranjarem alternativas habitacionais para estas famílias.

"Parar as demolições enquanto não houver soluções para as pessoas e para aqueles que deixaram de ter o seu teto. O Governo pode e deve ser chamado a atuar já, imediatamente. Se não há casas da Câmara, se estão ocupadas, há outros programas. Agora, não é possível dizer que não há solução", sublinhou.

Em declarações esta tarde, o ministro das Infraestruturas e Habitação, Miguel Pinto Luz, assegurou que o Governo está a acompanhar "com preocupação" a demolição de habitações precárias e que tem implementado políticas públicas para apoiar os municípios.

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Por seu turno, fonte do movimento Vida Justa adiantou à Lusa que, antevendo o mesmo cenário esta noite, "iniciou uma campanha de arrecadação de tendas para que as pessoas possam ter um pouco mais de privacidade".

A autarquia de Loures iniciou na segunda-feira uma operação de demolição de 64 habitações precárias construídas pelos próprios moradores no Talude Militar, onde vivem 161 pessoas.

Na Amadora foram também demolidas algumas construções ilegais no antigo Bairro de Santa Filomena.

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