Os bispos portugueses não simpatizam com a ideia de voltar a celebrar missas em latim, ainda que apenas em ocasiões especiais, de maior solenidade, como defendem os grupos integristas liderados pela chamada comunidade do Bom Pastor.
As pressões integristas têm acontecido com grande insistência nos últimos tempos, junto dos bispos e até junto da Cúria Romana, sobretudo depois de terem pressentido alguma abertura nesse sentido por parte do Papa Bento XVI.
Para os bispos portugueses a possibilidade deixada em aberto no passado dia 11 de Outubro pelo Papa, quando admitiu a possibilidade de haver celebrações em latim, “sem haver necessidade de autorização do bispo da diocese”, tem mais a ver com o facto de o Sumo Pontífice não pretender que esta questão “menor” se transforme numa guerra entre os cristãos, do que uma opção baseada nas suas convicções.
“O Santo Padre, com benevolência pastoral, deseja que não seja coisa tão pouco importante a dividir os cristãos”, diz, em entrevista ao Correio da Manhã D. Carlos Azevedo, bispo auxiliar de Lisboa e porta-voz da Conferência Episcopal (CEP).
Também o presidente da CEP, D. Jorge Ortiga, afirma que não haver “razão nenhuma para estar agora a recuar numa questão que representou uma evolução muito positiva há mais de 40 anos”.
O arcebispo de Braga admite que algumas celebrações incluam partes, como o cânon ou o credo, rezadas ou cantadas em latim, ora com recurso ou não ao gregoriano.
Mas o regresso ao latim não reúne consenso junto dos bispos portugueses porque isso seria, naturalmente, entendido como um regresso à Idade Média, período em que o latim foi adoptado como língua oficial da Igreja Católica e que integra os momentos mais negros da história cristã.
“Penso que a liturgia deve ser sempre celebrada em vernáculo (língua do país ou região), até porque ela é para ser partilhada e entendida por todos. Não me parece que devamos agora recuar depois de termos atingido, no Concílio Vaticano II e após um caminho longo e penoso, uma meta tão importante”, disse ao CM D. Jorge Ortiga.
BASTIDORES
A possibilidade, admitida por Bento XVI em Abril, ao assinalar um ano de pontificado, de lançar redes de diálogo que possam conduzir à reconciliação de Roma com a Fraternidade de S. Pio X, fundada pelo arcebispo francês Marcel Lefebvre, levou a que os movimentos adeptos das celebrações em latim intensificassem a sua campanha.
Nesta altura, o assunto é tema de debate nos corredores do Vaticano, sobretudo nas congregações para a Doutrina da Fé e para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos.
Tudo indica que Bento XVI venha a publicar, ainda antes do Natal, uma Carta Apostólica em que, entre outras determinações, liberalize a celebração tradicional segundo o missal de S. Pio V (em latim). Se assim for, os padres deixam de ter necessidade de pedir autorização ao bispo sempre que queiram celebrar a eucaristia em latim.
No entanto, o Papa deve ditar algumas regras, já que os bispos não consideram “bom para a Igreja” que os padres celebrem em latim ou vernáculo, consoante entenderem. “Isso seria confuso”, diz D. Jorge.
O CISMA INTEGRISTA DO ARCEBISPO MARCEL LEFEBVRE
A recitação da missa em latim – com o celebrante de frente para o altar e de costas para os fiéis –, segundo a tradição do Concílio de Trento, foi uma das bandeiras agitadas pelo arcebispo francês Marcel Lefebvre (1905-1991) contra as reformas introduzidas na Igreja pelo Concílio Vaticano II (1962-1965).
As posições intransigentes do antigo arcebispo de Dacar contra o “espírito do concílio” fizeram dele o chefe dilecto dos integristas – defensores de um catolicismo ‘integral’, sem concessões ao ecumenismo, à liberdade religiosa nem ao modernismo (o ‘aggiornamento’ de João XXIII e Paulo VI).
Em 1970, Lefebvre fundou em Ecône, na Suíça, a Fraternidade de S. Pio X, com um seminário. Depois de sucessivas declarações contra o diálogo inter-religioso, Lefebvre foi suspenso ‘a divinis’ pelo Papa Paulo VI, em 1976. Ao ordenar quatro bispos, em 1988, consumou a ruptura: foi excomungado por João Paulo II. Os seus seguidores só celebram missa em latim.
RITO LATINO
Bento XVI considera que o rito latino é único, embora com duas formas: a ordinária, ou seja, vernacular (línguas de cada país); e a extraordinária, neste caso a tradicional, em latim.
RITO BRACARENSE
Com características bizantinas, trata-se de um rito criado no primeiro milénio para a arquidiocese de Braga. Na revisão litúrgica do Concílio Vaticano II a arquidiocese voltou a adoptá-lo. Mas em português.
MISSAL DE S.PIO V
Trata-se do guia da missa celebrada em latim, segundo a tradição medieval. Só pode ser utilizado, actualmente, com autorização expressa do bispo da diocese.
QUARENTA ANOS
A missa em português fez 40 anos no dia 8 de Dezembro do ano passado. O processo foi difícil e contou com muitas resistências, sobretudo por parte dos padres mais velhos. Alguns celebraram em latim até à morte.
49 BISPOS
Entre os 2500 bispos que no Concílio Vaticano II aprovaram o fim da missa em latim, havia 49 portugueses. Cinco ainda são vivos: D. Eurico Dias Nogueira, D. Custódio Alvim Pereira, D. Davide de Sousa, D. Manuel Trindade e D. Júlio Tavares Rebimbas.
21 CONCÍLIOS
Em dois mil anos de História, a Igreja reuniu por 21 vezes os seus bispos em concílio. O primeiro ocorreu em Niceia, no ano 325, para condenar o arianismo. Os mais conhecidos são o de Trento e o Vaticano II.
O MAIS LONGO
O Concílio de Trento, para definir a doutrina contra os protestantes e para fazer a primeira reforma da Igreja, foi o mais longo de todos. Decorreu durante 18 anos, entre 1545 e 1563.
"PARA VOLTAR ÀS ORIGENS ENTÃO QUE SEJA EM GREGO"
D. Carlos Azevedo, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, diz que a língua não é importante para a celebração da Fé. Não simpatiza com a ideia do latim.
Correio da Manhã – Que comentário lhe merece a notícia que dá conta da vontade do Papa em permitir novamente as celebrações em latim?
D. Carlos Azevedo – Tem havido muitas pressões por parte de grupos integristas junto dos bispos e também chega à Cúria Romana. Penso que será sempre restrito a grupos que consideram essencial a língua para a celebração da fé. Como alguns são jovens não se trata de saudosismo, mas de uma mentalidade persistente, que assim pensa regressar aos bons tempos da Igreja, como se os tempos voltassem para trás. Porque é que se há-de ir só à Idade Média? Se é para voltar às origens, então que seja em grego. Aí até achava graça!
– Não seria mais arrojado promover celebrações em inglês?
– Se o desejo fosse encontrar uma língua de entendimento internacional poderia ser o inglês, sem dúvida. Mas aí se nota que o regresso ao latim para alguns é moda sem profundidade. Quem procura coisas exóticas é eternamente insatisfeito.
– Considera que esta ideia de Bento XVI lhe advém do facto de ser um erudito?
– A ideia não é do Papa. Ele só com benevolência pastoral deseja que não seja coisa tão pouco importante a dividir os cristãos e por isso relativize quem faz desse privilégio um ponto de batalha.
– O que poderá mudar para os católicos, em termos de participação, se algumas missas vierem a ser celebradas em latim? Serão apenas questões estéticas?
– As missas em latim não serão para as comunidades cristãs em geral, nem obrigatórias, mas facultativas. A dimensão pastoral da celebração e a perspectiva estética nada diminui ao usar as línguas vivas, pelo contrário. Em encontros internacionais ou celebrações de santuários, que acolhem grande diversidade de povos, o uso do latim já ocorre em alguns momentos, como sinal de unidade.
– Estaremos perante um mero acto de preservação das tradições ou de algo mais profundo?
– Além de um pouco de tudo isso, há sobretudo uma concepção de liturgia que me parece ultrapassada. O sentido do mistério não vem de uma língua estranha, ou de incapacidade para entender, do recurso ao exótico. A solenidade da celebração está na sua qualidade e, sobretudo, na participação de todos e não no espectáculo a que se assiste. Para concorrer com espectáculos não há hipótese.
PERFIL
Carlos Alberto de Pinho Moreira de Azevedo é bispo titular de Belali e auxiliar de Lisboa. Nasceu em Milheirós de Poiares, Santa Maria da Feira, há 53 anos.
Estudou nos Seminários do Porto e no Instituto de Ciências Humanas e Teológicas. Doutorou-se em 1986 na Universidade Gregoriana, em Roma. Foi ordenado sacerdote em 1977 e é porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa. É professor da Universidade Católica. Dirigiu o ‘Dicionário de História Religiosa de Portugal’.
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.