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“Dois infernos na Terra”: O relato de quem perdeu tudo nos incêndios e de quem voltou para dar esperança

Fogo que deflagrou nas aldeias de Piódão destruiu casas, colmeias, árvores de fruto, abrigos de animais e arrecadações de pasto. Sensibilizados com a destruição, os Bombeiros Sapadores de Lisboa voltaram para ajudar.

Fogo que deflagrou nas aldeias de Piódão destruiu casas, colmeias, árvores de fruto, abrigos de animais e arrecadações de pasto. Sensibilizados com a destruição, os Bombeiros Sapadores de Lisboa voltaram para ajudar.

20 de setembro de 2025 às 09:28

O olhar emocionado de António Mendes ao recordar o incêndio que começou com um raio às 5h08 de 13 de agosto em Malhada Chã, no Piódão, Arganil - para só terminar 11 dias depois com mais de 64 mil hectares ardidos nos distritos de Coimbra, Guarda e Castelo Branco, no maior fogo de sempre de Portugal -, é o espelho de quem viveu “dois infernos na Terra”.

“Nunca vi uma coisa desta dimensão. Arderam arrecadações de pasto, abrigos de animais, colmeias e casas que em tempos foram de primeira habitação”, recorda o apicultor reformado, na pequena aldeia de Piódão que foi devastada pelas chamas. 

António leva as mãos à cabeça quando descreve o fatídico dia: “Eu vi-me perdido para passar pelo fogo. Lembro-me de tocar três vezes com os pés no chão pelo caminho, senti que vinha pelo ar”.

Grato a todos os que ajudaram a combater as chamas, deixa um agradecimento especial aos bombeiros do Regimento Sapadores de Lisboa, que numa onda de solidariedade angariaram dinheiro para ajudar quem tudo perdeu.

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“Dois infernos na Terra”: O relato de quem perdeu tudo nos incêndios e de quem voltou para dar esperança

“Percebemos que, onde estivemos, a destruição era total e que as pessoas iriam necessitar de algum tipo de ajuda”, explica Luís Teixeira, subchefe do regimento e um dos organizadores da iniciativa que reuniu 1500 fardos de palha, três toneladas de ração e 36 colmeias. Os fornecedores contactados pelos bombeiros também não ficaram indiferentes e ofereceram alimento para as abelhas e uma abelha-rainha, para que fosse possível criar novas colónias.

Também Ricardo Pereira, mineiro reformado, recebeu de braços abertos a ajuda que lhe chegou. Perdeu parte das colmeias mas o maior prejuízo foi em castanheiros. Viu arder cerca de 100 árvores. 

“Nós agora temos os animais mas comida não, só comprando. Não temos nada que lhes dar. Nem erva, nem nada”, lamenta.

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Ao volante do camião que transportou os mantimentos de Lisboa até às aldeias afetadas - Piódão, Malhada Chã, Vale de Cerdeira e Meãs - está o subchefe de 2.ª do regimento, Nelson Crucho. “Foram momentos difíceis, são momentos que ficam para a vida”.

O bombeiro recorda que alguns colegas chegaram a ficar cercados e que foi a união que os salvou. A mesma união que os fez angariar mantimentos para ajudar quem foi afetado pelos incêndios. 

António Pereira, operador de explosivos reformado, estava na casa de convívio da aldeia quando se apercebeu da dimensão do incêndio. O instinto levou-o a correr até ao armazém onde guardava as cabras. “Lembrei-me das cabras e cheguei na hora exata, se não morriam queimadas. Ficaram quietas enquanto eu apaguei o caminho para passarem”.

Recorda que a mulher e os filhos ficaram na casa da família a combater as chamas enquanto ele, sozinho, protegeu os animais. Perdeu sete colmeias e duas bombas de água.

No meio da tristeza que ainda tentam ultrapassar, não deixam de sorrir na despedida aos Sapadores admitindo que toda a ajuda é bem-vinda.

“Agora já estamos no purgatório. Já é uma pena mais leve, estamos no caminho do céu. Malhada Chã e todos os seus habitantes com os seus animais, os seus haveres, vão renascer das cinzas”, remata António Mendes, que lembra que todos se uniram para salvar “o trabalho de uma vida”.

E termina: “Passei dois infernos na Terra aqui. Agora, graças a Deus, salvou-se a minha família, os meus amigos e salvou-se o que se pôde. Que nunca mais se repita uma cena destas, porque isto foi um verdadeiro inferno.”

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