Exaustão hospitaliza dois jovens do curso de Comandos
Soldados ambos de 20 anos eram instruendos do 138º curso e estavam no seu terceiro dia.
Sérgio A. Vitorino
9 de Setembro de 2022 às 01:30
Dois soldados do Exército sofreram, na quarta-feira, paragens - um cardiorrespiratória e o outro respiratória - na ‘prova zero’ do curso de Comandos, do qual são instruendos, confirmaram ao CM fontes oficiais do Exército e do INEM. João N. e Rodrigo A., ambos de 20 anos, foram reanimados por socorristas militares, no Quartel da Carregueira, em Sintra. O INEM encontrou os jovens inconscientes mas com sinais vitais. Um deles está sedado e entubado no Hospital de São Francisco Xavier. O Exército abriu um “processo de averiguações urgente”. Em causa poderá estar exaustão pelo acumular de treino físico nos primeiros três dias do curso, que começou segunda-feira. Em consequência, “foi determinado o aligeiramento substancial da carga física, e se necessário a não realização de algumas sessões”, assegura.
O militar em estado mais grave, João N., “sentiu-se indisposto aos 2,7 km” de uma marcha e corrida - as famosas Marcor - de 5 km. Eram 17h50 e a prova já levava 31 minutos. Foi levado pelos socorristas para a unidade de saúde do Regimento de Comandos, no mesmo quartel, onde um médico e um enfermeiro militares detetaram “alteração do estado de consciência” e realizaram “manobras de reanimação”, refere o Exército.
O INEM foi chamado às 18h36. Às 18h45 uma ambulância e, pouco depois, a viatura médica do Hospital de São Francisco Xavier, chegaram ao local. João N. foi transportado para esse hospital, onde ontem, diz o Exército, se encontrava “internado em Unidade de Cuidados Intensivos, mantendo-se em vigilância, sedado e ventilado, com um perfil hemodinâmico estável”.
Pelas 20h03, durante o jantar, foi a vez de Rodrigo A. se sentir “indisposto”. Foi encaminhado para a mesma enfermaria no Regimento, onde o Exército explicou inicialmente ter sofrido “uma interrupção súbita das funções cardíaca e respiratória”, corrigindo mais tarde para “interrupção respiratória”, “prontamente revertida pela rápida atuação da equipa médica presente no local”. O INEM foi chamado “por necessidade de avaliação complementar” - exames em meio hospitalar para se perceber porque também este jovem entrou em paragem. Foi levado, acompanhado por viatura médica, para o Hospital Amadora-Sintra. Ficou “em observação” e “estável”. Teve alta ao início da tarde de ontem, ficando sob acompanhamento no Regimento de Comandos.
“Conforme procedimento obrigatório, foi imediatamente iniciado um Processo de Averiguações urgente sobre estas ocorrências”, diz o Exército.
Setembro é um mês negro para os comandos. Neste mês, em 2014, problemas no 123º curso levaram à acusação do Ministério Público contra quatro instrutores. Em 2015, também em setembro, uma dezena de instruendos foi hospitalizada após as Marcor da ‘prova zero’ do 125º curso - um socorrista está acusado pelo Ministério Público. E, no ano seguinte, em setembro, os instruendos Dylan Silva e Hugo Abreu, ambos de 20 anos, do 127º curso, morreram após um golpe de calor: excessivo exercício físico e pouca hidratação para os 40 graus que se faziam sentir no Campo de Tiro de Alcochete. Estas mortes - e ferimentos noutros instruendos - levaram ao julgamento de 19 militares dos Comandos. Três deles foram condenados a penas suspensas entre os dois e os três anos, por abuso de autoridade com agressões. O Estado pagou 400 mil euros de indemnização aos pais de Dylan e de Hugo. Estas mortes levaram a mudanças no curso, com os Comandos a deixarem de treinar a sede, mantendo a dureza que os caracteriza e prepara para as missões em que a resistência física e mental fazem a diferença. Já em 1988 tinham ocorrido duas mortes por exaustão no 89º curso. E em 1990 uma outra. Isso levou à extinção, em 1993, do Regimento de Comandos, reativado em 2002. n
curso muito exigente a nível físico e mental
Tem vários nomes: prova de choque; prova zero; prova da sede; ou prova de aptidão Comando. Os primeiros três dias do curso colocam os instruendos nos limites físicos e mentais, dada a sucessão de exercícios - principalmente marchas. O curso prolonga-se por 14 semanas. A percentagem de desistências é superior a 50%. n
Exército disponível para apoiar famílias
O Exército afirma que “foram informados os familiares dos militares”. E disponibiliza-se “para fornecer [às famílias] todo o apoio e acompanhamento relativo à situação clínica dos militares”, revela fonte oficial ao CM.
Sentiu-se mal na famosa Marcor
A Marcor (marcha e corrida) e a Marfor (marcha forçada) são provas clássicas, estando regulamentadas. São usadas no treino de infantaria para força e resistência.
Unidade de elite faz 60 anos
Os Comandos marcam este ano o 60º aniversário. Unidade de elite, de combate em condições muito difíceis, têm por isso um treino duro e exigente.
Histórico de mortes e acusações
Setembro é um mês negro para os comandos. Neste mês, em 2014, problemas no 123º curso levaram à acusação do Ministério Público contra quatro instrutores. Em 2015, também em setembro, uma dezena de instruendos foi hospitalizada após as Marcor da ‘prova zero’ do 125º curso - um socorrista está acusado pelo Ministério Público.
E, no ano seguinte, em setembro, os instruendos Dylan Silva e Hugo Abreu, ambos de 20 anos, do 127º curso, morreram após um golpe de calor: excessivo exercício físico e pouca hidratação para os 40 graus que se faziam sentir no Campo de Tiro de Alcochete. Estas mortes - e ferimentos noutros instruendos - levaram ao julgamento de 19 militares dos Comandos. Três deles foram condenados a penas suspensas entre os dois e os três anos, por abuso de autoridade com agressões. O Estado pagou 400 mil euros de indemnização aos pais de Dylan e de Hugo. Estas mortes levaram a mudanças no curso, com os Comandos a deixarem de treinar a sede, mantendo a dureza que os caracteriza e prepara para as missões em que a resistência física e mental fazem a diferença. Já em 1988 tinham ocorrido duas mortes por exaustão no 89º curso. E em 1990 uma outra. Isso levou à extinção, em 1993, do Regimento de Comandos, reativado em 2002.
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