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Correio da Manhã

Portugal
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“Sofreu até se atirar ao rio”

Família revoltada com a tragédia que vitimou Leandro. Pais de colegas de escola denunciam outros casos de bullying.
4 de Março de 2010 às 00:30
Márcio abraçado a uma tia enquanto assiste, emocionado, às buscas.
Márcio abraçado a uma tia enquanto assiste, emocionado, às buscas. FOTO: Joana Neves Correia

'Ele faltou à última aula da manhã. Quando saímos, encontrámo-lo num canto. Tinham-lhe batido. Durante a hora do almoço, voltaram a bater-lhe. Ele não aguentou, saiu a correr e disse que ia saltar da ponte. Segurámo--lo, mas ele foi mais forte, correu, tirou a roupa e atirou-se', descreve o primo de Leandro, Ricardo Nunes, de 14 anos.

A estrutura pequena e franzina de Leandro Pires, residente em Cedainhos, Mirandela, tornava-o no principal alvo das agressões. Era uma criança calma, carinhosa e sensível e, ao contrário do irmão gémeo, nunca se conseguiu defender. Há cerca de um ano, esteve internado três dias no hospital depois de ter sido brutalmente pontapeado. 'Só espero que quem fez isto ao nosso menino passe por muito na vida, porque o nosso Leandro sofreu muito, sofreu tanto que até se atirou ao rio', desabafa Paula Nunes, tia da criança. Leandro não era a única vítima de bullying (violência física ou psicológica entre crianças no espaço escolar). Ao Correio da Manhã, pais de alunos confessaram que também os filhos, que frequentam a mesma escola, foram já alvo de agressões. 'A minha filha ligou-me para o trabalho a chorar, desesperada. Só me pedia que a fosse buscar à escola porque lhe tinham batido', conta Maria da Luz, mãe de uma aluna agora com 14 anos.

A poucos metros do local onde o pequeno Leandro decidiu pôr termo ao seu sofrimento, Amália e Armindo, pais da criança, choravam em desespero a morte do filho. Em choque, deixavam apenas as lágrimas correrem pela face, questionando as razões que deram origem à tragédia.

'Não entendo como é que isto foi acontecer. Há um ano, ele esteve internado no hospital porque lhe bateram muito, mas nunca mais soube de nada assim tão grave. A água levou o meu filho, levou o meu menino', lamenta Amália, recusando-se a aceitar o que aconteceu.

DISCURSO DIRECTO

'O BULLYING VEICULA MEDO E SILÊNCIO', Tânia Paias, Psicóloga e Investigadora na Área do Bullying

Correio da Manhã – Existe um perfil-tipo da vítima?

Tânia Paias – São crianças ou jovens mais tímidos ou que têm alguma particularidade que pode ser alvo de brincadeira por parte dos colegas.

– Quais os sinais a que os pais devem estar atentos?

– O bullying veicula o silêncio e o medo. Um olhar menos atento não percebe o que se passa. Sinais como perda de apetite, irritabilidade, dores de cabeça ou estômago, falta de vontade de ir à escola e isolamento são, muitas vezes, confundidos com a própria adolescência.

– Que complicações existem para a vítima?

– Algumas situações prolongam--se durante anos e isso pode ter complicações na idade adulta, como falta de confiança em si próprio ou incapacidade de se relacionar com alguém.

DIFICULDADES EM DESCOBRIR O CORPO

'Temos 150 pessoas a trabalhar, mas as dificuldades para encontrar o corpo são muitas. Há buscas no leito e nas margens do rio, no entanto a corrente está muito forte e a luminosidade na água é muito pouca', explicou o tenente-coronel Melo Gomes. As tentativas de resgate continuam hoje de manhã com o auxílio de um helicóptero.

'TIREI A ROUPA PARA SALVÁ-LO'

Christian Gonçalo fez tudo para evitar que o seu melhor amigo levasse até ao fim a vontade de pôr termo ao sofrimento. 'Ainda tirei a roupa para tentar salvá-lo, mas a corrente era muito forte', recordou ao CM o colega de Leandro Pires.

Christian fecha os olhos e as imagens da tragédia sucedem-se na sua cabeça. Não aceita nem consegue esquecer o momento em que viu o melhor amigo desaparecer nas água do rio. 'Começou a ir acima e abaixo, até que o deixámos de ver. Gritámos por ajuda, algumas pessoas que estavam perto ainda tentaram, mas já não havia salvação', contou a criança, com lágrimas nos olhos.

ESCOLA EM SILÊNCIO

Os responsáveis da Escola EB 2,3 Luciano Cordeiro continuam em silêncio e sem reagir às acusações de bullying, apesar de o Ministério da Educação já ter aberto um processo de averiguações para apurar o que ocorreu no recinto da escola.

José António Ferreira, presidente da Associação de Pais, rejeita a ideia de que os alunos sejam vítimas de bullying. 'As histórias que agora se contam são boatos que surgiram devido à carga emotiva do momento', afirmou. Um estudo realizado pela Sub-Região de Saúde de Bragança, porém, refere que onze por cento dos alunos da Escola EB 2,3 Luciano Cordeiro dizem ter sido vítimas de agressões físicas ou psicológicas por três ou mais vezes.

DOR: AVÓ ESTÁ INCONSOLÁVEL

'Tenho muitos netos, mas nenhum ocupa o lugar deste. Ele era tão bom para mim, tão querido. Não acredito, ainda não acredito que perdi o meu netinho', gritava ontem Zélia, de 72 anos 

MINISTÉRIO: INQUÉRITO ABERTO

O Ministério da Educação abriu um processo para averiguar o que poderá ter ocorrido no recinto da escola. O caso está a ser investigado pelas autoridades

AMIGOS: 'O LEANDRO SOFRIA'

'Antes de ele se atirar ao rio, vi colegas da escola a baterem-lhe. O Leandro sofria, mas nunca se conseguiu defender', contou Pedro, colega de turma do menino de 12 anos 

 

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