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Trancão é nome de poluição

O projecto de limpeza do rio Trancão tem 15 anos, mas foi com a Expo’98 que passou definitivamente do papel à prática. A construção das Estações de Tratamento de Águas Residuais (ETAR) de S. João da Talha, Bucelas e Frielas acabou com a poluição a jusante da freguesia de Bucelas.

17 de abril de 2005 às 00:00

Para trás, entre os municípios de Loures e Mafra, os atentados ambientais nunca foram resolvidos e mantêm-se até hoje. O Trancão, graças à operação de limpeza da Expo, deixou de ser sinónimo de porcaria para a opinião pública. A realidade, porém, é que nada mudou em metade do rio.

No tempo da ministra do Ambiente Elisa Ferreira – José Sócrates era então seu secretário de estado –, 70 milhões euros saíram do bolso do estado e da União Europeia para, aparentemente, devolver a vida ao rio que teve o triste rótulo de mais poluído da Europa.

A seca severa ou extrema que se instalou em 80 por cento do território agravou a poluição, que vinha a piorar desde o Verão passado. A porcaria e o mau cheiro voltaram assim a fazer parte do dia-a-dia de quem vive mais perto do rio. E nenhum instituto público com competência para o problema age no sentido de controlar a poluição.

“Aqui há uma semana o rio ia preto. E há muito legume vendido no MARL [Mercado Abastecedor da Região de Lisboa] regado com aquela água”. As acusações partem de Tomás Roque, presidente da Junta de Freguesia de Bucelas (JFB), precisamente a localidade onde o Trancão passa mais sujo. “Cheira mal todos os dias e o Ministério do Ambiente sabe bem disto, porque esteve cá um fiscal há um ano. Subimos o rio até Mafra e vimos de onde vinha a poluição.”

CHUVA ENGANADORA

Depois das chuvadas de há duas semanas, o rio já não parece tão poluído. Mas é uma melhoria apenas aparente. O leito continua a correr sujo, apenas mais diluído. A questão só se resolve com um aperto na fiscalização junto das fábricas que se encontram a montante de Bucelas.

“A grande poluição vem das indústrias agro-pecuária e metalo-mecânica do concelho de Mafra”, garante Carlos Martins, dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Loures (SMAS). “Mas o problema não são as fábricas, é a passividade das entidades públicas com poder para intervir e que até agora nada fizeram.”

As primeiras denúncias, que partiram da Junta de Bucelas e da Câmara de Loures, chegaram ao Ministério do Ambiente, à Inspecção-Geral do Ambiente (IGA), ao Instituto da Água (INAG) e à Comissão de Coordenação do Desenvolvimento Regional (CCDR) em Julho de 2004. Os ofícios foram renovados em Janeiro, mas até hoje ninguém respondeu.

De mãos atadas estão também responsáveis pela autarquia de Mafra, de onde parece vir a poluição. “Temos denunciado sistematicamente a situação à IGA, ao Serviço Especializado de Protecção da Natureza (SEPNA) da GNR e à CCDR”, garante fonte da Câmara.

À semelhança do que aconteceu com o concelho vizinho, a resposta da parte das autoridades públicas foi o silêncio absoluto.

MATADOURO E LATÍCINIOS

O Major Matos da brigada do SEPNA para a região de Lisboa admite que, todos os anos, são recebidas entre cinco e dez denúncias por causa do Trancão: “Em dois desses casos levantámos autos a duas empresas de Mafra, uma de lacticínios e um matadouro.”

O levantamento dos autos foi posteriormente conduzido para a CCDR de Lisboa e Vale do Tejo, a quem compete proceder à aplicação das multas por descargas ilegais nos rios.

O CM contactou os responsáveis do INAG, da IGA e da CCDR de Lisboa e Vale do Tejo (ver caixa ‘Estado nega responsabilidades’). Obteve apenas respostas genéricas e inconclusivas. Não há, para já, qualquer antevisão de soluções ou medidas de contigência que permitam travar as atitudes que, hoje, perpetuam a condição do Trancão como um rio extremamente poluído.

ACTIVISTAS INACTIVOS

Os ambientalistas admitem ter conhecimento da situação crítica em que se encontra a bacia do Trancão, mas à pergunta sobre que medidas concretas pensam tomar, pouco dizem. “Sabemos que está tudo muito complicado”, admite Carlos Moura, dirigente da Quercus. “Vamos continuar a acompanhar a situação, mas só se se prolongar muito no tempo é que assumiremos uma posição pública.” O Geota, na voz de Hélder Carêto, assume que “não há uma posição concreta sobre o assunto das descargas ilegais no Trancão, porque não conhecemos em concreto o estado de poluição do rio”.

VIDA NOVA PARA O RIO

Loures e Bucelas têm projectos para a requalificação do rio. “Queremos criar outra vez uma relação entre as gentes da terra e o rio que tem tanta responsabilidade na história da região”, explica o presidente da junte de Bucelas, Tomás Roque. O sonho da autarquia passa por aproveitar o rio como palco de desporto e entretenimento. Carlos Martins, do SMAS de Loures, lança até uma esperança: “Quem sabe se alguns desportos náuticos podem ser uma realidade no rio?”. Mas Tomás Roque mantém os pés na terra. “Sem a despoluição completa, nem vale a pena andar a gastar dinheiros públicos.”

"AS MULTAS SÃO BAIXAS"

As multas aplicadas pelo crime ambiental de descarga de resíduos indústriais nos rios e seus afluentes, diz a lei, pode ir dos 500 aos 50 mil euros. Mas Carlos Martins, responsável pelo SMAS de Loures, explica que “o que acontece é que as multas normalmente são aplicadas nos valores mais reduzidos”. E como é demasiado caro proceder ao tratamento das águas residuais, “através da instalação de mini-ETAR à saída das fábricas, o crime acaba por compensar”.

De acordo com o engenheiro que comanda o SMAS, “o problema é que os institutos públicos não fazem fiscalização suficiente”.

Embora diga querer evitar alarmismos falsos, salienta que “muitos particulares captam água das ribeiras da bacia do Trancão para regar hortas e, por esta via, existem riscos para a saúde pública”.

ESTADO NEGA RESPOSNSABILIDADES

A lei diz que as autarquias devem garantir o tratamento dos esgotos domésticos. Os esgotos industriais, pelo contrário, caem na alçada das autoridades sob a tutela directa do Ministério do Ambiente. O Instituto da Água (INAG), em conjunto com a Inspecção-Geral do Ambiente (IGA) e a Comissão de Coordenação do Desenvolvimento Regional (CCDR) partilham competências na fiscalização, licenciamento de empresas e processamento de análises à qualidade dos rios. Mas todos estes institutos rejeitam responsabilidades. “As queixas relativas à poluição nos rios não compete ao INAG, nós enviamos tudo para a CCDR”, diz Cláudia Brandão, do departamento de Recursos Hídricos, quando confrontada com a ausência de resposta às queixas das autoridades locais. A CCDR confirma que recebeu a denúncia de uma empresa de Mafra mas diz que “provavelmente a ETAR da fábrica está a funcionar mal”. Por fim: “Se assim for a CCDR vai obviamente autuar a empresa”.

“Na IGA existem 14 técnicos para fiscalizações em todo o País”, diz Cristina Guerreiro, jurista da Inspecção. “Não chegamos para tudo, não podemos responder a todas as denúncias”. A IGA solicita ainda a colaboração de autoridades como o Serviço Especializado de Protecção da Natureza da GNR, mas mesmo assim o alcance das competências é assumidamente curto para as necessidades do País. No que toca ao Trancão, “a IGA não sabe que empresas estão instaladas junto ao rio”, muito embora assegure que “a grande fatia das inspecções são a fábricas”.

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