“A Internet muda a vida das pessoas”

A portuguesa Sónia Jorge dirige uma organização internacional que quer democratizar o acesso à net de banda larga.

18 de março de 2015 às 18:35
18-03-2015_18_31_34 A4AI_Team photo.jpg Foto: D.R.
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Sónia Jorge nasceu em Angola e completou o ensino secundário já em Portugal. Partiu para os Estados Unidos para cursar economia e por lá fez carreira na área da regulação e política das telecomunicações. Em 2013, assumiu a presidência executiva da Aliance for Affordable Internet, uma coligação que junta gigantes da indústria como a Google ou a Microsoft e váriuas outras empresas e organismos públicos para tentar fazer baixar os preços da Internet nos países menos desenvolvidos. Moçambique é um dos países onde a organização dirigida por esta portuguesa de 44 anos está presente.

A Aliança para a Internet a Preço Justo surgiu em Outubro de 2013. De que se trata?

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É uma coligação global que reúne à volta de 70 parceiros, que são atores no mercado da comunicação e tecnologia. Temos como missão trabalhar para alcançar o objetivo definido pela comissão de banda larga das Nações Unidas, de baixar os preços dos serviços de banda larga para menos de 5% do rendimento médio mensal de cada cidadão. Isso é um ponto de referência, não a meta final, porque nos países em vias de desenvolvimento essa meta ainda está muito, muito longe de ser atingida. Se compararmos a realidade dos países em desenvolvimento com os países desenvolvidos encontramos cenários muito diferentes. A acessibilidade aos serviços de internet de banda larga nos países desenvolvidos custa menos de 1% do rendimento médio.

O que está a ser feito para conseguir esse objetivo?

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A Aliança é uma coligação global de atores específicos no nosso setor [das tecnologias de comunicação]. Enfocamos o trabalho na reforma política e regulamentar nos diferentes países onde trabalhamos mas também a nível internacional para que as políticas e a regulação do setor sejam ajustadas para que se possa chegar a uma internet acessível. Apostamos muito na investigação, que nos oferece fatos relevantes para podermos exercer a nossa influência.

A aliança formou-se há um ano, mas já estava a ser planeada há mais tempo. A ideia veio de colegas de organizações internacionais que identificaram a necessidade de existir uma organização que se focasse na acessibilidade, que estava um pouco esquecida. Pode existir uma infraestrutura, mas se o preço dos serviços for muito alto o sistema não faz sentido porque não beneficia ninguém.

Em que países atuam?

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Selecionámos inicialmente países onde existe uma grande necessidade de impulsionar o desenvolvimento, mas onde os preços dos serviços de internet são muito altos. Nigéria, Moçambique e República Dominicana são três dos países onde desenvolvemos a nossa atividade. Estamos a trabalhar com governos, com o setor público e com a sociedade civil para trabalhar em áreas que já foram identificadas por equipas da nossa coligação internacional. A ideia é modificar e melhorar não só a política a nível nacional como também a planificação, a implementação das redes e a regulação. Nesse países, não só em África como também na República Dominicana, o preço da internet é muito elevado quando comparado com os rendimentos mensais dos cidadãos. Na República Dominicana, o acesso de banda larga custa à volta de 25% do salário médio do país. Na Nigéria e no Gana, está à volta dos 13%. Em Moçambique ainda é mais caro, o acesso à net rápida custa 65% do salário médio.

A internet é ainda um luxo em África?

Em Moçambique, neste momento nem sequer 1% da população tem acesso à internet. E a razão principal é o preço do serviço. Na Nigéria, que é o país mais populoso de África, 85% da população vive abaixo da linha da pobreza, com um rendimento de dois dólares por dia. Para esses cidadãos, a internet custa o equivalente a 30% do que têm para viver.  A situação não é fácil. Não é simplesmente uma questão de preços. Esforçamo-nos por diminuir os custos totais da indústria de várias maneiras. Pela intervenção política e da regulamentação para que se criem condições para que os custos sejam reduzidos. Trabalhamos na redução de impostos, porque nalguns destes países o peso dos impostos no preço do serviço chega aos 40% a 50% do preço de utilização.

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Que progressos têm sido alcançados?

Em Moçambique, têm-se conseguido compromissos para baixar o preço dos serviços.

O acordo que fizemos com o governo é para chegar a esse objetivo. Estabelecemos uma coligação nacional com todos os elementos do setor: agentes privados, públicos e sociedade civil, em que trabalhamos em colaboração para desenvolver estas propostas de reformas que se devem implementar no país. Em Moçambique, a áreas prioritárias de atuação têm a ver com impostos e também com as infraestruturas. Falo da política e da regulação para permitir a partilha de infraestruturas e o incentivo ao investimento. Outra área identificada é a investigação - a colheita de dados e pesquisa do setor- que nos países em desenvolvimento é muito importante porque esses sistemas não existem. É muito difícil acompanhar o que se passa se não temos dados fiáveis sobre o país.

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Em que é que o acesso à internet de banda larga muda a vida das pessoas?

Muita gente nos faz essa pergunta. Há muitas razões para que seja importante o acesso à banda larga. Neste momento, ao nível do desenvolvimento económico e social de qualquer país, o acesso à internet com capacidade de banda larga oferece possibilidades e oportunidades críticas para o desenvolvimento. Permite o acesso a muitos serviços básicos no país e faz aumentar as oportunidades dos cidadãos no acesso à saúde, educação, nas áreas da agricultura, indústria, etc. A internet é uma plataforma de desenvolvimento no apoio aos negócios e promove a participação pública dos cidadãos na sociedade e no processo democrático, prática que nos países em vias de desenvolvimento ainda está a começar. Para processo de abrir a sociedade com base numa democracia eficiente, é muito importante que os cidadãos possam participar. E a internet é uma boa plataforma para que essa participação seja uma realidade.

Já há resultados práticos destes investimentos?

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Em Moçambique já existem projetos que mostram que o acesso à internet é crítico em áreas como o acesso à informação, a educação, para ligar as comunidades rurais entre si ou na medicina. Há grandes necessidades no sector da saúde, para que enfermeiros ou médicos numa área rural tenham acesso à informação e contactem quem está nas cidades. As infraestruturas nem sempre são adequadas, e esses problemas, que num país desenvolvido já nem temos noção de que existem, podem ser resolvidos com o acesso à internet. Neste momento, a capacidade existente é mínima.

Quanto têm acesso à Internet, a vida das pessoas muda?

Muda de forma muito significativa. Existe muita investigação que prova que o acesso à Internet, sobretudo a de banda larga, tem um impacto tremendo no desenvolvimento global do país e muda a vida das pessoas. Para um homem ou mulher, um pai ou uma mãe, um professor ou um agricultor, as possibilidades que a Internet dá, desde a parte económica à parte social são muito importantes. Imagine um professor numa área rural, em que há faltas tremendas nas escolas. Os livros não existem , são escassas as informações sobre os currículos, faltam materiais. Se os professores tiverem acesso a um computador com ligação à Internet, onde possam imprimir materiais no seu próprio idioma, têm uma possibilidade muito maior de educar e serem eficientes. O acesso à internet não é importante só a nível individual, funciona para os grupos, para as áreas rurais, para o conjunto das localidades.

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A organização que dirige reúne apoios de algumas das empresas mais importantes do sector. O que é que os cidadãos de um país como Portugal podem fazer para contribuir?

Primeiro podem apoiar a iniciativa, não só a nível financeiro. Podem promover as ideias e a informação que nós divulgamos. Como organização temos todo o gosto de acolher voluntários que queiram envolver-se com organizações não governamentais. Temos imensos estudantes que se voluntariam para atividades nos países onde estamos. Se alguém de Portugal quisesse colaborar connosco, desde contribuir a nível financeiro ao voluntariado, não só para promover a nossa mensagem como para participar nas nossas atividades, isso seria excelente.

Como foi o seu percurso até chegar à liderança da ‘A4AI’?

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Nasci em Angola, como muitos portugueses da minha geração. Vivi em Angola até ao início da década de 1980. A minha família não foi daquelas que deixou o país logo após o processo da independência. Mas quando a guerra civil se tornou mais complicada, a família resolveu regressar em Portugal. Vivi em Portugal alguns anos, completei aí a escola secundária, mas logo depois vim para os Estados Unidos fazer a universidade e fiquei. Comecei a minha carreira profissional nos EUA, continuei a estudar para fazer o mestrado e doutoramento. Vivo fora de Portugal há 28 anos mas a língua materna nunca se esquece.

Como foi a sua carreira profissional?

A nível profissional sempre trabalhei na área das telecomunicações ao nível de política e regulação como consultora internacional. Sou formada em economia e política pública. Tenho vários cursos, fiz administração de empresas com especialização em finanças, fiz o curso de economia, mestrado em política pública, com enfoque na área internacional de desenvolvimento económico e também fiz uma parte de doutoramento em economia.

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O seu trabalho leva-a a viajar muitas semanas por ano…

Vivo em Boston mas o meu escritório é em Washington. Passo grande parte do ano em viagem. Hoje em dia, a localização dos nossos escritórios de trabalho não é insignificante, mas não tem a importância que tinha no passado. Especialmente na nossa área, da tecnologia. Há uma tendência muito grande de trabalhar online. Desde o início da minha carreira que viajo muito. Comecei logo a fazer consultadoria internacional ao nível do desenvolvimento económico. Por isso, passo grande parte do meu tempo em países da Ásia, África e América Latina. Deixei de contar o número de países que conheço.

Ainda tem passaporte português?

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Sim, isso mantem-se. Não tenho nacionalidade americana, mas já deveria ter. Com tanto trabalho e ainda ser mãe de três filhos, é daquelas coisas que vão ficando por tratar.

Os seus filhos falam português?

São três filhas, uma de 14, uma de 11 e uma de 6. A mais velha fala português. As outras entendem, mas falar é mais difícil. São americanas, o inglês predomina, mas entendem. Infelizmente não praticam tanto como eu gostaria. O meu marido é de ascendência peruana e elas falam três línguas, português, espanhol e inglês.

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Como é que se vê Portugal a partir da América?

Infelizmente Portugal não está muito nas notícias nos Estados Unidos. E quando aparece é porque se está a passar alguma coisa, não são necessariamente notícias felizes. Onde vejo mais Portugal é a nível do turismo. Jornais como o New York Times referem muitas vezes Portugal na parte das viagens. Tem-me surpreendido a quantidade de vezes que as diferentes regiões de Portugal são mencionadas. Quem quer seguir a realidade do dia-a-dia em Portugal consegue fazê-lo porque aqui no estado de Massachusetts a comunidade portuguesa é muito numerosa e existem vários serviços de notícias que acompanham o que se passa. Eu tenho pena de não seguir com mais atenção, vejo algumas notícias na Internet, estou a par do que se passa no meu sector, até pelo contacto com os colegas que fui conhecendo ao longo dos anos.

Tenho um grande interesse em manter-me informada sobre Portugal, mas procuro manter-me ligada a nível cultural, é para mim o ponto mais importante. Estou sempre mais interessada em saber quais são os novos trabalhos de literatura, as novidades da música.

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Lembra-se de algum artista que a tenha cativado?

Gosto muito de fado, apesar de a minha filha achar que é muito ‘boring’ (aborrecido). Eu tento explicar-lhe que há coisas muito boas. Temos a sorte de os bons artistas virem a Boston. A Ana Moura tem vindo, a Mariza, a Cristina Branco, que eu adoro. Há muito bons artistas no fado, sobretudo mulheres.

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