"Hoje vão ter de matar pessoas": Moradores do bairro do Talude Militar tentam impedir demolições de casas
Mais de uma dezena de agentes da polícia de choque da PSP estão posicionados à entrada do bairro, em Loures.
Dezenas de moradores do Bairro do Talude Militar, em Loures, estão, esta segunda-feira de manhã, a tentar impedir a execução de demolições de casas autoconstruídas ordenadas pelo município, num clima de tensão com a polícia.
"Não vamos sair daqui, hoje vão ter de matar pessoas", disse um dos moradores, à porta de uma habitação autoconstruída, após uma tentativa dos serviços municipais, acompanhados pela Polícia Municipal, de retirada de pessoas das casas.
À chegada ao bairro, uma advogada que tem acompanhado estes processos no movimento Vida Justa apelou às pessoas para não saírem de dentro de casa, relatando que "não há mandado judicial" para estas operações de demolição.
"As pessoas têm o direito de ficar nas suas casas e, se quiserem executar a operação, terão de as retirar à força", disse a advogada, dirigindo-se aos residentes.
Em declarações à Lusa, Gonçalo Filipe, do movimento Vida Justa, sublinhou haver trâmites judiciais em curso que impedem a execução das demolições, criticando a Câmara Municipal de Loures, no distrito de Lisboa, por esta abordagem "agressiva".
Mais de uma dezena de agentes da polícia de choque da PSP estão posicionados à entrada do bairro, num clima de tensão com os moradores, que, a cerca de 20 metros, estão a formar uma barreira.
A polícia está a afastar à força moradores do bairro, constatou a Lusa no local.
O clima está muito tenso entre a polícia e várias dezenas de moradores, entre homens, mulheres e crianças, que gritam por "outra solução" e pedem uma reunião com o presidente da Câmara de Loures, Ricardo Leão.
Entretanto, pelas 11h20, alguns moradores deitaram-se no chão à entrada do bairro, tentando impedir o avanço dos veículos mobilizados para as demolições.
A Lusa aguarda respostas do município sobre a operação.
No fim de semana, o movimento Vida Justa indicou que esta semana os municípios de Loures e Amadora vão demolir cerca de 80 habitações e deixarão as famílias, incluindo 70 crianças, sem uma alternativa de habitação.
O movimento considerou que as ações das duas câmaras, no distrito de Lisboa, "desrespeitam os despachos judiciais já proferidos e conhecidos dos municípios" no âmbito de providências cautelares feitas por vários moradores para suspender as demolições.
Em Loures as demolições decorrem no Talude Militar, onde já houve demolições no final de junho. A autarquia afixou na sexta-feira, 11 de julho, editais no bairro anunciando novas demolições e deu aos moradores 48 horas para as desocupações. Em causa, acrescentou o Vida Justa, estão "mais de 60 habitações".
Também na Amadora, relatou, foram afixados editais com vista à demolição de 16 habitações na Estrada Militar (Mina de Água). Também aí as famílias têm dois dias para sair.
Contactada pela Lusa também no fim de semana, a Câmara de Loures disse que as suas atuações são "sempre dentro da legalidade e em respeito absoluto pelas decisões judiciais e com prioridade à segurança, à saúde pública e à dignidade humana".
O município considerou que o movimento Vida Justa continua "a instrumentalizar pessoas em situação de vulnerabilidade", mas não apresenta "qualquer solução concreta para o problema grave da proliferação descontrolada de construções ilegais".
"A Câmara Municipal de Loures continuará a agir com responsabilidade, apoiando quem demonstra vontade de cumprir e rejeitando liminarmente a edificação desordenada de barracas no concelho", lê-se na resposta da autarquia.
A Câmara da Amadora, presidida por Vítor Ferreira (PS), disse que "não permitirá a proliferação de construções ilegais" e que foram identificadas novas construções ilegais na Estrada Militar da Mina (antigo Bairro de Santa Filomena). Serão demolidas porque "representam um retrocesso nos esforços que o município tem vindo a desenvolver".
Segundo a autarquia, as famílias tiveram acompanhamento para encontrar "soluções legais e de emergência" que garantam "a saúde pública e a dignidade humana".
A Câmara da Amadora disse que, em 2012, fez um importante investimento na erradicação do Bairro de Santa Filomena para "repor a legalidade urbanística e assegurar condições de vida dignas para todos os residentes" e que "não compactua com soluções à margem da lei", defendendo que perante as necessidades habitacionais haja uma resposta "de forma estruturada, justa e legal".
A autarquia acrescentou ter em curso "um investimento significativo para resolver a situação habitacional de 711 famílias há muito inscritas no programa municipal de realojamento". Todos os anos são recebidos 1.200 pedidos de habitação por parte de munícipes em situação de vulnerabilidade.
Para o movimento Vida Justa, estas demolições violam a lei (nomeadamente o regime jurídico da urbanização e da edificação e a Lei de Bases da Habitação e respetiva regulamentação) e também os compromissos do Estado português em matéria de direitos humanos.
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