Investigadores da FMUP querem prevenir e reverter efeitos do stress crónico

Segundo Patrícia Monteiro, stress crónico é como "um alarme invisível que nunca se desliga e que não está só na cabeça".

03 de novembro de 2025 às 08:11
FMUP Foto: Lusa
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Investigadores da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP) estão a estudar o que acontece no cérebro e em órgãos periféricos devido ao stress crónico, uma investigação com o objetivo de reverter os efeitos, descreveu esta segunda-feira a coordenadora.

Nas vésperas do Dia da Consciencialização do Stress, que se assinala quarta-feira, Patrícia Monteiro explicou à Lusa que a equipa está a estudar várias estratégias, tanto farmacológicas como genéticas, para reverter as alterações no cérebro relacionadas com o stress crónico e com sintomas cognitivos e motores associados.

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"O objetivo é prevenir e tratar o stress", resumiu a coordenadora de uma investigação que decorre desde 2016 e que tem já três estudos publicados em 2022, 2023 e 2024.

Segundo a neurocientista, "o stress agudo é um mecanismo de defesa essencial à sobrevivência, uma espécie de alarme de incêndio que nos protege".

Mas o stress crónico é como "um alarme invisível que nunca se desliga e que não está só na cabeça". Mais impulsividade, decisões pouco racionais, problemas de memória, depressão são algumas das queixas.

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"Nós pensamos no stress como uma resposta cerebral, mas, na verdade, é uma resposta fisiológica que envolve o corpo todo. Há zonas do cérebro que ficam alteradas, mas nós só nos apercebemos quando essas 'pegadas' se tornam evidentes a nível comportamental, através, por exemplo, de estados de ansiedade, alterações da memória ou perturbações do sono".

Recorrendo à eletrofisiologia e à proteómica, técnicas que registam a atividade cerebral e que avaliam as proteínas do tecido neuronal, respetivamente, a equipa da FMUP tem-se dedicado a examinar as marcas físicas deixadas pelo stress crónico a nível cerebral e sistémico e os estudos desenvolvidos, em modelo animal, mostraram uma desregulação das proteínas e uma diminuição da função do córtex pré-frontal, mecanismo biológico que explica o stress prolongado.

"Estas alterações têm consequências negativas no controlo emocional, na memória de trabalho e na função executiva", refere Patrícia Monteiro.

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O grupo descobriu que a produção de uma proteína chamada lipocalina 2 estará aumentada, no fígado, em situações de neuroinflamação associadas a um stress contínuo.

"Falamos em pessoas com maus fígados e em inimigos figadais e, na verdade, não é descabido ligarmos as emoções a uma reação visceral", afirma a investigadora.

Questionado sobre como é possível estabelecer relações entre as reações detetadas nos animais com os humanos, Patrícia Monteiro explicou que os animais são sujeitos a experiências ligeiramente desconfortáveis no dia a dia, como, por exemplo, mudanças inesperadas no seu habitat ou confronto com outros machos dominantes no seu território, o que em humanos pode comparar-se a viver num ambiente de constante instabilidade ou de exigência emocional.

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"Cuidar de um familiar doente durante anos a fio, com um grau de exigência emocional e de desgaste acentuado, passar por um período de desemprego prolongado, viver numa zona ativa de conflito de guerra", exemplificou.

Assim, através de protocolos naturalísticos, a equipa crê que estes resultados podem ter translação para aquilo que são as alterações que acontecem no cérebro humano.

"O objetivo é encontrarmos um alvo terapêutico que nos ajude a transpor estes resultados. Ao identificarmos proteínas, alvos moleculares, podemos depois desenhar terapias futuras", avançou.

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Acresce que os cientistas estão atualmente a analisar alterações nos genes (polimorfismos) que poderão influenciar a resposta do organismo face ao stress crónico.

"Por que é que, entre militares que combateram na mesma guerra, uns desenvolvem stress pós-traumático e outros não? Poderá existir uma base genética, biológica, para uma maior suscetibilidade ou para uma maior resiliência ao stress. Estamos à procura de marcadores genéticos que aumentem a predisposição ou protejam de perturbações neuropsiquiátricas ou mentais", explica a coordenadora.

Face a todos os estudos e à evidência acumulada, Patrícia Monteiro é direta: "A ciência mostra-nos que o stress deixa uma marca física. Ela pode ser reversível, mas exige cuidados e hábitos saudáveis. Se aparecerem problemas de saúde mental, é preciso tirar tempo para os tratar e recuperar para não agravar a lesão existente. A saúde mental constrói-se todos os dias".

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