Usa musgo no presépio? A tradição é antiga, mas atenção que a recolha é proibida por lei

Apesar da legislação, ações das autoridades passam apenas pela sensibilização. Ambientalistas referem existirem alternativas viáveis.

23 de dezembro de 2025 às 09:51
Presépio natalício com musgo e figuras religiosas, como Maria, José e o Menino Jesus Foto: Direitos Reservados
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Com a chegada do Natal, o musgo volta a ocupar um lugar de destaque nos presépios montados nas casas, igrejas ou espaços públicos por todo o País, prática enraizada em tradições familiares e religiosas. Durante muito tempo, a recolha desta espécie em campos, muros ou zonas florestais foi encarada como um gesto simples e inofensivo, repetido ano após ano. Atualmente, porém, a tradição confronta-se com a lei. 

Os dados mais recentes publicados na Lista Vermelha da União Internacional da Conservação da Natureza (UICN) dão conta de 181 espécies de musgos ameaçadas em Portugal e apanhar musgo para o Presépio de Natal é punível por lei - pode estar a incorrer num crime ambiental. É isto que aponta o Decreto-Lei n.º 38 de 31 de maio de 2021, que refere que tais práticas podem constituir contraordenações ambientais graves e, em determinados casos, podem mesmo configurar crime ambiental caso se verifiquem danos significativos na flora ou nos 'habitats' protegidos. 

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A implementação do Decreto-Lei surgiu, precisamente, por se verificar existir um aumento da apanha das espécies numa altura pré-Natal, como relembra a coordenadora do Projeto Criar Bosques da Quercus, Paula Nunes da Silva. 

No entanto, apesar da legislação, a apanha persiste. Na perceção de Paula Nunes da Silva, o problema continua porque “as pessoas não fazem ideia de que [os musgos] são protegidos”, aponta a responsável em entrevista ao Correio da Manhã. "Muitas vezes as pessoas mexem [na natureza] por desconhecimento e não sabem o que podem perturbar", alerta.

A fiscalização está a cargo do SEPNA, o Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente da GNR em Portugal. Contudo, a coordenadora da Organização Não Governamental de Ambiente refere que a atuação das autoridades designadas para o efeito "passa pela sensibilização" e ações de fiscalização, e não tanto pela contraordenação. 

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As ações decorrem, sobretudo, no que toca aos presépios públicos, em vez de porta a porta. "Se virem que a prática [da apanha] continua no ano seguinte, são um pouco mais incisivos", aponta a coordenadora. 

Caracterizados como um tipo de planta não vascular, que pertence ao grupo das briófitas, os musgos podem ser encontrados por todos os recantos do Mundo, sendo plantas pequenas que crescem, habitualmente, em ambientes húmidos e sombreados, como florestas, solos, rochas, ou zonas urbanas. 

Mas que papel têm estas espécies nos ecossistemas? O musgo retém a humidade dos solos, evitando assim a erosão dos mesmos e dá abrigo a várias espécies. No que toca ao armazenamento de água, estas plantas são capazes de armazenar e absorver uma quantidade de água até 20 vezes superior ao seu peso, referem os estudos. Isto contribui para impedir a erosão dos solos nas épocas de maior precipitação e para que a água seja libertada lentamente para o meio durante épocas de seca. Esta caraterística tem ainda impacto nas espécies em redor, que podem absorver essa mesma água. Além disso, o musgo funciona como uma espécie de armazém de nutrientes como o carbono, retendo mais de seis milhões de toneladas deste elemento e contribuindo para o seu equilíbrio na atmosfera. 

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A nível europeu, a União Europeia identifica muitas espécies de musgos em risco de extinção através da European Red List of Mosses (Lista Vermelha Europeia de Musgos, Hepáticas e Antóceros), um instrumento científico que avalia o estado de conservação destas plantas. Algumas dessas espécies beneficiam ainda de proteção legal direta ao abrigo da Diretiva ‘Habitats’, que obriga os Estados-Membros a salvaguardar espécies e 'habitats' considerados vulneráveis. Neste contexto, a proibição da apanha de musgo em Portugal enquadra-se num esforço mais amplo de conservação da biodiversidade, alinhado com os objetivos europeus de proteção dos ecossistemas. 

Para Paula Nunes da Silva, "existem alternativas" para o uso desta espécie nos presépios, inclusive "que podem ser utilizadas de ano para ano, ao contrário dos musgos", que exigem ainda um cuidado especial no que toca à limpeza, especialmente em espaços interiores, sendo que albergam alguns animais. 

Quanto aos exemplos a serem usados, a coordenadora aponta que dependem “da criatividade de cada um”, mas deixa algumas ideias: areia, pedrinhas, materiais recicláveis que se tenham em casa ou até um tapete de relva, que "acaba por ter a mesma funcionalidade". 

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A identificação das espécies de musgo protegidas pela lei portuguesa é difícil sem conhecimento técnico, como refere o Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas, que também já deixou um apelo à população nas redes sociais para que não se apanhe musgo neste Natal. 

De acordo com a coordenadora da Quercus, "é muito importante a questão da educação e informação". Não apenas por parte do SEPNA, mas também por parte do Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas e por parte de "todas as entidades que tutelam a área da proteção". "Se as pessoas conhecerem [o que está em causa], com certeza que passam a agir de outra maneira", considera Paula Nunes da Silva. 

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As ações de sensibilização devem ser ainda mais incisivas numa determinada altura do ano, de acordo com a coordenadora, nomeadamente na entrada do mês de novembro, momento em que a apanha começa a ser mais registada. 

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