No privado os transexuais pagam entre 15 e 25 mil euros para fazer a intervenção.
Setenta portugueses já fizeram, ou estão a fazer, operações de mudança de sexo pagas pelo Estado, desde 2005, no Hospital de Santa Maria, a única unidade de Saúde pública que, em Portugal, dá resposta aos transexuais que foram autorizados pela Ordem dos Médicos a submeterem-se a esta cirurgia. Para 2010, a Ordem já autorizou sete operações (cinco são de feminino para masculino), revela o único cirurgião plástico que faz este trabalho no público, João Décio Ferreira, de 65 anos.
As operações, bem como todas as consultas de psiquiatria que antecedem a mudança de sexo, são comparticipadas a 100% pelo Sistema Nacional de Saúde (SNS), seguindo uma norma imposta pela Comissão Europeia, que considera a transexualidade uma doença congénita.
O custo destas cirurgias, que são várias – mudar de feminino para masculino implica, pelo menos, 10 intervenções, enquanto para o inverso bastam duas operações – não é divulgado pelo Ministério da Saúde. Segundo Décio Ferreira, no sector privado o custo varia entre os 15 e os 25 mil euros.
Contactada pelo CM, fonte da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) afirmou que 'as cirurgias de mudança de sexo são operações que ocorrem muito raramente'. Sobre os preços das operações, apenas disse que 'os valores praticados no SNS serão muito abaixo dos indicados pelo sector privado'. Décio Ferreira, que acompanha 54 transexuais, explica que é um contra-senso o Estado aceitar a mudança de sexo como uma doença congénita e financiar as cirurgias para depois complicar as alterações de identidade e de género nos documentos. 'Quem quer mudar de sexo tem de colocar um processo contra o Estado em Tribunal. Só em custas e advogado, pode chegar aos 6 mil euros e fazer uma peritagem no Instituto de Medicina Legal custa 400 euros'.
MULHERES SÃO QUEM MAIS PROCURA ESTA CIRURGIA
Portugal contraria a tendência mundial onde há mais masculinos a mudar para femininos. Segundo o cirurgião plástico Décio Ferreira, 'em Portugal, o rácio é de três que mudam para masculinos e um para feminino'. O especialista garante que, desde 2005, já fez 33 operações de feminino para masculino e apenas 11 de masculino para feminino. Esta tendência acaba por complicar a lista de espera, pois 'enquanto de homem para mulher a situação fica resolvida numa cirurgia, a mudança de sexo de mulher para homem é mais demorada e exige uma série de intervenções'. Além disso, o cirurgião já está reformado e apenas se dedica em exclusivo aos transexuais desde Setembro de 2009. 'Até aqui dividia o tempo com outras cirurgias, nomeadamente relacionadas com obesidade, mas agora só faço estas', conta, sublinhando que só opera transexuais de 15 em 15 dias . Este ano foram aprovadas sete cirurgias, que só terão lugar no final do ano.
DISCURSO DIRECTO
'ALTERAR IDENTIDADE PODE DEMORAR QUATRO ANOS', João Décio Ferreira, Cirurgião Plástico
Correio da Manhã – Qual o maior problema das pessoas que mudam de sexo em Portugal?
João Décio Ferreira – É a mudança de identidade. Conheço um caso que operei em 2006 que só agora conseguiu autorização para tratar dos documentos. É um processo que pode demorar quatro anos já depois de a pessoa fisicamente ter mudado de género.
– Que implicações tem essa demora?
– A pessoa já tem uma aparência diferente e nos documentos de identidade o género não corresponde. Têm sempre de andar com um documento médico a explicar a situação, têm dificuldades até para arranjar trabalho.
– Qual a solução?
– O Estado devia agir em conformidade com os seus actos e mudar a legislação. Em Espanha a pessoa só precisa de ir a uma conservatória com os papéis do médico a atestar o género e em menos de um mês tem os documentos. Aqui é uma violência o que fazem. Para mudar de identidade a pessoa tem de processar o Estado, que, por acaso, lhe pagou a cirurgia, e a submeter-se a uma perícia na Medicina Legal para provar se é mulher ou homem. Com o processo gastam uns seis mil euros e na perícia 400 euros.
– Considera que esta é uma atitude discriminatória?
– Sim. Acho que o caso de 2006 só se resolveu porque houve movimento de juízes. O novo magistrado marcou o julgamento num mês. Os transexuais são discriminados. E há quem confunda transexualidade com homossexualidade.
– Porquê?
– Só conheço um caso onde um homem mudou para mulher e hoje em dia se assume como lésbica e vive com uma mulher. Tenho um caso curioso. Dois pacientes que se apaixonaram nas consultas. Hoje ele é ela e ela é ele e vão casar.
-Já foi convidado para casamentos?
- Sim já fui a três e vou a mais um, talvez este ano.
-Há quanto tempo faz cirurgias em transexuais?
- Faço cirurgias plásticas há 36 anos, mas só me dediquei a estas em meados de 2005, quando o Dr. Godinho Matos, que iniciou estas cirurgias no Hospital de Santa Maria, se reformou. Embora eu já tratasse das deformações genitais.
-Se é o único cirurgião a dar assistência aos transexuais no sector público, quando se retirar quem vai continuar o seu trabalho?
- Não sei. Eu já estou reformado. Só faço cirurgias uma vez de 15 em 15 dias. Mas qualquer cirurgião plástico se pode dedicar a esta especialidade. A base é a mesma.
-No público o Estado financia a 100% as cirurgias dos transexuais, mas não obtivemos um valor por parte do Ministério da Saúde. A que se deve esta omissão?
- É difícil fazer esse cálculo. São consideradas cirurgias plásticas reconstrutivas. Só há pouco tempo é que se começou, no hospital, a contabilizar todo o material que se gasta numa cirurgia. Pode ser por isso. E no universo do hospital estas cirurgias também não são muito representativas na despesa total.
- Que tamanho tem um pénis sem faloplastia?
- Tem o tamanho de um pénis de um miudo de um ou dois anos.
- E como faz o aumento?
-Recorro à cartilagem das costelas. Nunca é um pénis normal e fica frágil porque a cartilagem pode partir, mas é isso que lhe dá a rigidez.
- E mudar de homem para mulher, como é feita a cirurgia?
- Aproveitamos a parte da glande para fazer o clítoris. É a mesma estrutura. Aproveitamos o prepúcio do pénis para fazer os pequenos lábios e fazemos a vagina com um enxerto de uma parte do intestino delgado.
- Os transexuais têm prazer sexual depois das operações?
- Sim, sem dúvida. Podem manter uma vida sexual perfeitamente normal.
- Que idades têm os transexuais que acompanha?
- Variam entre os 19 e os 60. O de 60 já foi operado há mais tempo, mas mantém-se sempre o acompanhamento.
- A partir de que idade uma pessoa se podem submeter a esta cirurgia?
- A partir dos 18. E o processo é demorado porque tem de se ter a certeza que a pessoa está mesmo no corpo errado. Primeiro, tem de fazer consultas com um psiquiatra e um psicólogo para despistar outras patologias que podem levar ao mesmo estado. Depois, é necessário um parecer de outro psiquiatra. Apresentam o processo na Ordem dos Médicos e se não houver dúvidas pode iniciar-se o tratamento hormonal, seguindo-se a cirurgia. A Ordem acabou de autorizar este ano sete a mudar de sexo, cinco de feminino para masculino e dois de masculino para feminino.
- Acontece muitas vezes na consulta da psiquiatria descobrir-se que não se trata de um transexual?
- Acontece. Em Portugal não há estatísticas, mas lembro-me de em 2005 ter lido umas da Holanda. De 500 que foram às consultas apenas 50 tiveram autorização para avançar para a mudança de sexo.
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