Com o novo vírus mortal da China "toda a gente fala já em voltar a acender aqui essas fogueiras".
Enquanto o coronavíus (Covid-19) centra atenções no mundo, a população do Amieiro, em Alijó, recorda que a aldeia resistiu à pneumónica de 1918 por estar isolada, rodeada de "sete colinas" e por ter "acendido fogueiras" à porta das casas.
"Quando se falava em maleitas, toda a gente combinava à mesma hora acenderem uma fogueira ao escurecer, na rua, à porta de cada pessoa. Iam então buscar molhos de mato verde, alecrim, urze, carqueja, rosmaninho e toda a gente fazia a fogueira à mesma hora", contou à agência Lusa Fernando Quintas, antigo ferroviário e presidente de junta, com 74 anos.
Com a infeção provocada pelo Covid-19 detetado em Wuhan, na China, a causar preocupações a nível mundial, Fernando Quintas recorda a pneumónica, também conhecida por gripe espanhola, e como esta aldeia conseguiu escapar à epidemia mundial que surgiu no início do século XX.
O Amieiro está localizado no vale do Tua, junto ao rio, e era, na altura, uma terra que quebrava o isolamento com o comboio, que se apanhava na margem oposta, ou então percorrendo "a pé ou de burro" os 15 quilómetros por um antigo "caminho romano" até Alijó, no distrito de Vila Real.
O rio era atravessado de barco, mais tarde de teleférico e depois por uma ponte que foi levada pela cheia há quase 20 anos.
"O povo está aqui numa parte baixa, isolado por sete colinas", descreveu.
No Amieiro dizem que ninguém foi infetado pela gripe espanhola e, segundo Fernando Quintas, "outras pessoas de outros lugares ainda aqui se refugiaram".
"Nas aldeias à volta havia pessoas infetadas, mas aqui não houve ninguém, nem houve mortos provocados por essa doença. Não sei agora se foi do fumo ou se foi da posição geográfica em que o Amieiro se encontra", afirmou.
Fernando Quintas ainda não tinha nascido, mas ouviu os relatos dos pais e dos avós e disse que a estratégia se manteve para "outras maleitas".
"E com isso evitou-se de haver essa doença. Ainda hoje se fala nisso e durante muitos anos quando se fala numa crise de doença, de maleitas, agora é o coronavírus, toda a gente fala já em voltar a acender aqui essas fogueiras", frisou.
José Carlos Cataluna, 80 anos, revelou que "até havia um sinal dado pelo sino".
"Toda a gente já tinha o seu molho de rama, trovisco, alecrim, rosmaninho, pinho, zimbro, tudo aquilo que era bom para fazer os fumos. Ao toque do sino, toda a gente já tinha o molho à porta e todos punham a arder naquela hora", contou.
Acrescentou: "Aquilo era uma nuvem só de fumo. Seria disso, não seria, também dizem que nós como estamos aqui na cova que passou por cima e não chegou aqui em baixo".
José Carlos Cataluna é agricultor e artista. Tem espalhados pela aldeia nichos de santos, uma pequena igreja e um presépio e em cada um deles um poema escrito por si. Mas é também um homem orgulhoso da terra onde vive.
"Ainda hoje ouvimos 'és do Amieiro, da terra onde não morreu ninguém'. Foi verdade", frisou.
No Estudo Clínico da Gripe Epidémica, escrito em 1920, o autor Celestino da Costa Maia fala precisamente no Amieiro, que descreveu como "uma pequena povoação de 400 habitantes do concelho de Alijó, rodeada por todos os lados de freguesias onde a gripe grassava impiedosa, conseguiu escapar aos seus horrores".
"De facto, os habitantes do Amieiro, logo que a seu lado o incêndio gripal se ateou, acenderam fogueiras em toda a volta da sua aldeia, mantendo-as acesas enquanto o flagelo não desapareceu das vizinhanças. Não seria este o fogo sagrado que os protegeu? Não desviariam estas fogueiras as correntes atmosféricas portadoras da morte?", questiona o escritor.
No fim da Grande Guerra, a pneumónica, também conhecida como gripe espanhola, dizimou dezenas de milhares de vidas, tendo sido, até hoje, a maior pandemia mundial, causando mais mortes que a peste negra ao longo de vários séculos.
Segundo informações do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge, a pneumónica atingiu o país em maio de 1918 e, em cerca de dois anos, gerou uma crise demográfica grave, perdendo algumas zonas do país cerca de 10% da população.
Em Portugal, o número oficial de mortos devido à gripe espanhola é superior a 60 mil. Em três ondas, a pneumónica matou principalmente jovens e atingiu pessoas de todas as classes sociais.
O combate à doença, liderado pelo médico, investigador e higienista Ricardo Jorge, passou pela adoção de medidas de contenção, como o encerramento de escolas, a proibição de feiras e romarias, e a requisição de dezenas de locais públicos e particulares para a improvisação de hospitais.
Mais de cem anos depois, é o Covid-19 que se propaga por vários países, havendo o registo de mais de 64.000 infetados na China e cerca de 1.400 pessoas mortas.
"Ainda no outro dia, ali no largo, estivemos a conversar que temos que fazer outra vez fogueiras, como se fazia nesses tempos, para desviar essa doença. Oxalá que não venha", sublinhou Fernando Quintas esperando que o novo coronavírus se mantenha afastado.
Ao lado, José Carlos Cataluna acrescentou: "por entanto ainda está longe, mas estas coisas chegam-se para perto rápido".
PLI // JAP
Lusa/Fim
Tem sugestões ou notícias para partilhar com o CM?
Envie para geral@cmjornal.pt
o que achou desta notícia?
concordam consigo
A redação do CM irá fazer uma avaliação e remover o comentário caso não respeite as Regras desta Comunidade.
O seu comentário contem palavras ou expressões que não cumprem as regras definidas para este espaço. Por favor reescreva o seu comentário.
O CM relembra a proibição de comentários de cariz obsceno, ofensivo, difamatório gerador de responsabilidade civil ou de comentários com conteúdo comercial.
O Correio da Manhã incentiva todos os Leitores a interagirem através de comentários às notícias publicadas no seu site, de uma maneira respeitadora com o cumprimento dos princípios legais e constitucionais. Assim são totalmente ilegítimos comentários de cariz ofensivo e indevidos/inadequados. Promovemos o pluralismo, a ética, a independência, a liberdade, a democracia, a coragem, a inquietude e a proximidade.
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza expressamente o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes ou formatos actualmente existentes ou que venham a existir.
O propósito da Política de Comentários do Correio da Manhã é apoiar o leitor, oferecendo uma plataforma de debate, seguindo as seguintes regras:
Recomendações:
- Os comentários não são uma carta. Não devem ser utilizadas cortesias nem agradecimentos;
Sanções:
- Se algum leitor não respeitar as regras referidas anteriormente (pontos 1 a 11), está automaticamente sujeito às seguintes sanções:
- O Correio da Manhã tem o direito de bloquear ou remover a conta de qualquer utilizador, ou qualquer comentário, a seu exclusivo critério, sempre que este viole, de algum modo, as regras previstas na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, a Lei, a Constituição da República Portuguesa, ou que destabilize a comunidade;
- A existência de uma assinatura não justifica nem serve de fundamento para a quebra de alguma regra prevista na presente Política de Comentários do Correio da Manhã, da Lei ou da Constituição da República Portuguesa, seguindo a sanção referida no ponto anterior;
- O Correio da Manhã reserva-se na disponibilidade de monitorizar ou pré-visualizar os comentários antes de serem publicados.
Se surgir alguma dúvida não hesite a contactar-nos internetgeral@medialivre.pt ou para 210 494 000
O Correio da Manhã oferece nos seus artigos um espaço de comentário, que considera essencial para reflexão, debate e livre veiculação de opiniões e ideias e apela aos Leitores que sigam as regras básicas de uma convivência sã e de respeito pelos outros, promovendo um ambiente de respeito e fair-play.
Só após a atenta leitura das regras abaixo e posterior aceitação expressa será possível efectuar comentários às notícias publicados no Correio da Manhã.
A possibilidade de efetuar comentários neste espaço está limitada a Leitores registados e Leitores assinantes do Correio da Manhã Premium (“Leitor”).
Ao comentar, o Leitor está a declarar que é o único e exclusivo titular dos direitos associados a esse conteúdo, e como tal é o único e exclusivo responsável por esses mesmos conteúdos, e que autoriza o Correio da Manhã a difundir o referido conteúdo, para todos e em quaisquer suportes disponíveis.
O Leitor permanecerá o proprietário dos conteúdos que submeta ao Correio da Manhã e ao enviar tais conteúdos concede ao Correio da Manhã uma licença, gratuita, irrevogável, transmissível, exclusiva e perpétua para a utilização dos referidos conteúdos, em qualquer suporte ou formato atualmente existente no mercado ou que venha a surgir.
O Leitor obriga-se a garantir que os conteúdos que submete nos espaços de comentários do Correio da Manhã não são obscenos, ofensivos ou geradores de responsabilidade civil ou criminal e não violam o direito de propriedade intelectual de terceiros. O Leitor compromete-se, nomeadamente, a não utilizar os espaços de comentários do Correio da Manhã para: (i) fins comerciais, nomeadamente, difundindo mensagens publicitárias nos comentários ou em outros espaços, fora daqueles especificamente destinados à publicidade contratada nos termos adequados; (ii) difundir conteúdos de ódio, racismo, xenofobia ou discriminação ou que, de um modo geral, incentivem a violência ou a prática de atos ilícitos; (iii) difundir conteúdos que, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, tenham como objetivo, finalidade, resultado, consequência ou intenção, humilhar, denegrir ou atingir o bom-nome e reputação de terceiros.
O Leitor reconhece expressamente que é exclusivamente responsável pelo pagamento de quaisquer coimas, custas, encargos, multas, penalizações, indemnizações ou outros montantes que advenham da publicação dos seus comentários nos espaços de comentários do Correio da Manhã.
O Leitor reconhece que o Correio da Manhã não está obrigado a monitorizar, editar ou pré-visualizar os conteúdos ou comentários que são partilhados pelos Leitores nos seus espaços de comentário. No entanto, a redação do Correio da Manhã, reserva-se o direito de fazer uma pré-avaliação e não publicar comentários que não respeitem as presentes Regras.
Todos os comentários ou conteúdos que venham a ser partilhados pelo Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã constituem a opinião exclusiva e única do seu autor, que só a este vincula e não refletem a opinião ou posição do Correio da Manhã ou de terceiros. O facto de um conteúdo ter sido difundido por um Leitor nos espaços de comentários do Correio da Manhã não pressupõe, de forma direta ou indireta, explícita ou implícita, que o Correio da Manhã teve qualquer conhecimento prévio do mesmo e muito menos que concorde, valide ou suporte o seu conteúdo.
ComportamentoO Correio da Manhã pode, em caso de violação das presentes Regras, suspender por tempo determinado, indeterminado ou mesmo proibir permanentemente a possibilidade de comentar, independentemente de ser assinante do Correio da Manhã Premium ou da sua classificação.
O Correio da Manhã reserva-se ao direito de apagar de imediato e sem qualquer aviso ou notificação prévia os comentários dos Leitores que não cumpram estas regras.
O Correio da Manhã ocultará de forma automática todos os comentários uma semana após a publicação dos mesmos.
Para usar esta funcionalidade deverá efetuar login.
Caso não esteja registado no site do Correio da Manhã, efetue o seu registo gratuito.
Escrever um comentário no CM é um convite ao respeito mútuo e à civilidade. Nunca censuramos posições políticas, mas somos inflexiveis com quaisquer agressões. Conheça as
Inicie sessão ou registe-se para comentar.