Escritora defendeu que o pensamento filosófico e o domínio da linguagem têm de estar presentes no tempo da cultura digital.
A escritora Lídia Jorge alertou esta quarta-feira que a Europa está "imóvel" perante a repetição da "ideologia de opressão" e defendeu que o pensamento filosófico e o domínio da linguagem têm de estar presentes no tempo da cultura digital.
"Imbuída agora da consciência de que a violência das guerras, que essa frieza teatral, grande, eloquente e assassina desencadeou, a Europa está imóvel vendo repetir-se à escala mundial a ideologia da opressão, enquanto ela se mantém como repositório de uma sabedoria que o sofrimento criou e a prática da liberdade ao longo de 70 anos redimiu", afirmou.
Lídia Jorge falava, em Ponta Delgada, na ilha de São Miguel, onde recebeu o título de doutora 'honoris causa' em Literatura pela Universidade dos Açores.
A escritora defendeu que a literatura e a filosofia continuam a ser "pilares do conhecimento e da busca da verdade essencial".
"Poderei estar errada, mas é minha convicção de que a memória histórica, o pensamento filosófico, o domínio da linguagem nas suas articulações mais sofisticadas, que a poética permite, promovendo o pensamento crítico e a imaginação libertadora, têm de estar presentes no tempo da prodigiosa cultura digital, da robótica, dos programas cibernéticos que se dirigem para a viagem no cosmos", frisou.
Num tempo em que se tornou "incontrolável a substituição do ensaio de autoria própria pelo discurso mecânico" da inteligência artificial, Lídia Jorge ressalvou que a linguagem poética resiste à oferta mecânica.
A escritora alertou, por outro lado, para o facto de hoje se poder "desvincular a realidade do discurso que a traduz, introduzindo como válida a falsidade e a mentira".
"Como nunca antes, é possível hoje anunciar que um barco afundou enquanto ele navega livremente sem qualquer problema, mas uma vez difundido faz-se crer que naufragou e, sendo útil, mesmo diante da realidade que o contraria os interessados afirmam o contrário do que está à vista, não como uma ilusão, mas como um triunfo da voz grossa sobre a realidade", exemplificou.
Lídia Jorge recordou o ditador italiano Benito Mussolini que pretendia "reduzir o discurso ao essencial, às palavras slogan, aos gestos brutais e ao discurso frio, como numa batalha, sem conotação nem contextos, cada palavra uma ameaça, cada frase um grito de guerra contra alguém".
"Quem hoje em dia vê os homens que dominam o discurso público global e conhece um pouco de história percebe que o futuro moderno que desejam oferecer não é moderno, pelo contrário, está repleto de um passado sulfuroso", vincou.
Ainda assim, a escritora disse ter esperança de que os jovens adotem uma nova ideologia "que combata a brutalidade das palavras e das ações primitivas do domínio de uns sobre os outros pela força bruta".
"Acredito que a literatura e a filosofia ajudarão os jovens a sentirem-se seguros na sua caminhada em direção ao futuro se compreenderem o perigo que significa cruzarem a nova tecnologia com a reatualização das palavras de Himmler, o nazi, quando proclamava: 'nós somos superiores a tudo e a todos'", sublinhou.
Na cerimónia de atribuição do título de doutora 'honoris causa', a reitora da Universidade dos Açores, Susana Mira Leal, disse que distinguir Lídia Jorge não era apenas um ato de justiça, mas um "gesto de resistência cultural" e um "compromisso com lucidez e com a dignidade da palavra e da pessoa".
"Este título exprime o reconhecimento do percurso singular de quem, pela obra, pela ação e pelo pensamento, tem contribuído para o conhecimento, para a cultura e para o prestígio de Portugal e, sobretudo, para um exercício de cidadania crítica e para a valorização da nossa condição humana", assinalou.
Lídia Jorge estreou-se em 1980 com o romance "O Dia dos Prodígios".
É autora dos romances "O Cais das Merendas" (1982), "Notícia da Cidade Silvestre" (1984), "A Última Dona" (1992), "O Jardim Sem Limites" (1995), "O Vale da Paixão" (1998), "O Vento Assobiando nas Gruas" (2002), "Combateremos a Sombra" (2007), "A Noite das Mulheres Cantoras" (2011), "Os Memoráveis" (2014) e "Estuário" (2018).
Já foi distinguida com o Grande Prémio de Literatura dst (2019), o Prémio Vergílio Ferreira (2015) da Universidade de Évora, o Prémio Luso-Espanhol de Cultura (2014), o Prémio Internacional de Literatura da Fundação Günter Grass (2006), o Grande Prémio de Romance da Associação Portuguesa de Escritores, o Prémio Correntes d'Escritas (2002), o Prémio Jean Monet de Literatura Europeia (2000) e o Prémio D. Diniz da Casa de Mateus (1998), entre outros galardões.
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