Não há manuais em braille nas papelarias nem nos hipermercados. As editoras não os produzem.
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Uma pequena equipa de professores e técnicos adaptou para linguagem braille quase 400 manuais escolares destinados aos 65 alunos cegos que, este ano, frequentam as escolas do 1.º ao 12.º ano de escolaridade.
O ritual de comprar os livros antes das aulas começarem não faz parte da vida dos alunos cegos. Não há manuais em braille nas papelarias nem nos hipermercados. As editoras não os produzem.
Estas crianças e jovens dependem do trabalho de 17 funcionários da Direção-Geral de Educação (DGE), como José e Graciete. A sua missão é transcrever manuais em braille e transformar mapas, desenhos e gráficos em figuras em relevo.
Na sala de trabalho dos transcritores impera a concentração. Num processo moroso, os manuais em tinta vão ganhando forma em linhas de braille. O trabalho já se faz com a ajuda de um 'software', mas o ofício continua a exigir conhecimentos e criatividade.
José Tavares está às voltas com um gráfico do manual de História, enquanto Graciete Alves tenta reproduzir o mais fielmente possível um desenho do manual de Matemática do 5.º ano.
"Isto é um desafio. É como um jogo para nós", conta à Lusa Graciete Alves, que há 25 anos trocou a agitação das salas de aula por um gabinete na Direção de Serviços de Educação Especial e Apoios Socioeducativos, a funcionar num prédio do Ministério da Educação, na Avenida 24 de Julho, em Lisboa.
Há várias décadas que dali saem milhares de volumes em braille com destino às escolas do continente e das ilhas. Um livro a tinta pode facilmente resultar em 22 volumes, como aconteceu com o manual de Português que José Tavares tem em cima da secretária. Só este ano letivo, os 12 transcritores já adaptaram 394 manuais para os 65 alunos cegos do ensino obrigatório.
Ao fim de 15 anos de trabalho, José Tavares consegue ler o braille que os cegos não veem. Com a ponta dos dedos não distingue nenhuma letra do alfabeto, mas os olhos já não estranham os sinais a tinta que aparecem no ecrã do seu computador: "Com os olhos fechados não consigo ler. Nem eu nem ninguém. Só os cegos".
"Este ano produzimos cerca de 16 mil volumes em braille. Cada volume tem cerca de 120 a 130 páginas é uma produção muito elevada. E produzimos cerca de 36 mil figuras em relevo. É o único centro de recursos em Portugal que faz este trabalho", contou à Lusa Filomena Pereira, diretora dos serviços.
Por vezes, o trabalho de toda uma equipa tem como destinatário apenas um aluno. Basta que seja o único nesse ano letivo e que o manual escolhido pelo professor ainda não tenha sido convertido em braille.
Independentemente do número de utilizadores, o processo é sempre igual. Depois da transcrição, os manuais seguem para a sala dos revisores, onde dois professores cegos procuram erros e falhas. O antigo docente de Filosofia, António Reis, é um deles. Está ali há cinco anos e pelas suas mãos já passaram milhares de livros de todas as disciplinas e anos de escolaridade.
"Eu vejo em média, com cuidado, 30 páginas por hora, mas também depende da disciplina", diz António Reis, enquanto tateia as páginas de um caderno de atividades de Psicologia do 12.º ano. Ao seu lado, uma transcritora vai corrigindo os erros de um manual de Espanhol que não escaparam à revisão de António.
No final, os livros seguem para a reprodução. Alguns pisos abaixo, a impressora vai esculpindo relevos nas folhas brancas. As últimas páginas de um manual de Matemática do 5.º ano saem para as mãos de Maria Fernandes que as vai reunir em mais um dos 14 volumes em braille. A maioria já seguiu para as escolas, mas ainda há capítulos a chegar às mãos dos alunos, conta a funcionária que há 31 anos materializa o trabalho feito por transcritores e revisores.
Apesar de as aulas estarem a acabar, o trabalho dos 17 funcionários não tem fim. Em breve, vão começar a receber as encomendas para o próximo ano letivo e o processo reiniciar-se-á.
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