Um telefonema a meio de uma aula de Português nas instalações do Centro Ismaili de Lisboa, esta terça-feira de manhã, deixou Abdul Bashir, 28 anos e refugiado afegão, agitado. Sem aviso, levantou-se e atacou o professor com uma faca de grandes dimensões, atingindo-o no pescoço.
Colegas e funcionários ficaram em pânico e começaram aos gritos. Farana Sadrudin, de 48 anos, uma voluntária que apoiava refugiados, e Mariana Jadaugy, de 24, docente da comunidade Ismaili, ter-se-ão aproximado daquela sala para perceber o que estava a acontecer e foram atacadas da mesma forma. O professor resistiu – está internado no Hospital de Santa Maria – mas as duas mulheres, portuguesas e muçulmanas, não sobreviveram aos golpes de que foram alvo.
A rápida reação de dois agentes da PSP que estavam de gratificado na Loja de Cidadão – a pouco mais de 20 metros da entrada do Centro Ismaili – terá evitado uma tragédia maior. Assim que receberam o alerta, via 112, correram para o local e um minuto depois estavam frente a frente com o agressor armado. Conseguiram afastá-lo de outros inocentes, mas quando chegou uma Equipa de Intervenção Rápida, o afegão avançou com a faca na mão na direção dos agentes. Os polícias reagiram a tiro, atingido Bashir nas pernas.
Por estar perante um ataque violento num local de culto religioso e ainda com poucas informações, a PSP agiu como se estivesse em curso um atentado terrorista. Mobilizou cerca de 60 operacionais das Unidades de Elite, com armamento pesado e coletes balísticos, que poucos minutos depois tinham o Centro Ismaili cercado. Bashir foi levado para o hospital enquanto as autoridades tentavam perceber se o afegão estava sozinho ou tinha cúmplices no ataque. O receio de atentado levou também a PJ a mobilizar meios reforçados para o local pouco depois. Para já, a PJ não afasta a hipótese de motivações religiosas.
Esta terça-feira à noite continuavam a ser ouvidas testemunhas, mas ainda não era claro o que tinha motivado o duplo homicídio. Faltava também perceber quem tinha feito o telefonema e qual o teor. Farana Sadrudin, a vítima mais velha, era engenheira informática e terminou curso na Escola Superior de Tecnologia de Setúbal, em 2006. Trabalhava no apoio à integração dos refugiados. Tudo indica que conheceria o agressor.
Pormenores
Crianças brincavam no pátioGilberto Araújo é dono de uma florista por debaixo do apartamento onde vive o homicida. Descreve-o como calmo e fala das crianças com carinho. "Via-as muitas vezes a brincar. O mais velho parecia muito responsável, tomava conta dos irmãos", assegura.
Pedido de ajudaNum vídeo que gravou dizia que tinha pedido ajuda ao Centro de Asilo da União Europeia, mas ninguém lhe dava respostas. Diz que é licenciado.
Ajudavam refugiadosFarana era sobrinha do representante diplomático do Imamat Ismaili em Portugal. Mariana era licenciada em Ciências Políticas e Relações Internacionais pela Universidade Nova.
Perdeu a mulher em incêndio na Grécia Há suspeitas de que Abdul Bashir, de 28 anos, sofra de problemas psiquiátricos. O afegão, que estava em Portugal desde setembro de 2021, encontrava-se a viver num apartamento cuja renda era paga pelo Estado, em Odivelas. Tinha o estatuto de proteção internacional, ao abrigo do mecanismo de recolocação europeu, e no agregado familiar havia ainda três filhos menores : de 9, 7 e 4 anos.
A mulher tinha morrido num campo de refugiados na Grécia, na sequência de um incêndio. Foi o próprio que o contou em vídeo, num depoimento gravado o ano passado, onde mostrava estar cansado dos muitos pedidos de ajuda que tinha feito. Dizia estar a ser ignorado.
No prédio onde morava, todos o descreviam como alguém calmo, sem sinais de radicalismo islâmico. Não frequentava as mesquitas da zona, era sim assíduo ao Centro Ismaelita que o apoiava. Era aí que muitas vezes ia buscar comida e era também aí que aprendia Português.
Operado entre as 13h00 e as 17h00, Abdul Bashir fica para já internado, estando a ser vigiado pelas autoridades. Quando tiver alta será logo detido e presente a tribunal, para primeiro interrogatório judicial. Deverá ser indiciado, pelo menos, por dois homicídios consumados e um homicídio tentado, devendo ficar em prisão preventiva, a mais gravosa medida de coação.