Barra Cofina

Correio da Manhã

Tecnologia
9

Maratona cirúrgica no S. José

Não tem flautas, violoncelos, harpas ou trombones. Não tem solistas nem tão pouco maestro, mas não deixa de ser uma orquestra, com instrumentos e artistas que, juntos, produzem um autêntico concerto. O teatro ou sala de espectáculo dá lugar a outros palcos, os do bloco operatório do Serviço de Neurocirurgia do Hospital de São José, onde a música, é outra. Mas o trabalho da equipa de Otoneurocirurgia do Centro Hospitalar de Lisboa Central não fica longe de uma sinfonia, que toca na base do crânio, de uma forma sincronizada, durante uma autêntica maratona cirúrgica de 9 horas para extrair um tumor.
16 de Março de 2008 às 00:30
Maratona cirúrgica no S. José
Maratona cirúrgica no S. José FOTO: Vítor Mota
Ao longo de 12 anos, já passaram pelas suas mãos 180 pessoas, traduzidas em casos de tumores mais ou menos perigosos, com mais ou menos complicações, mais e menos exigentes, mas todos merecedores do mesmo empenho e atenção por parte dos médicos – um neurocirurgião e dois otorrinolaringologistas – que uniram esforços para abordar as lesões localizadas numa zona de difícil acesso e risco elevado, a base do crânio.
O relógio marca poucos minutos depois das 9h00. A azáfama é grande à volta do doente, instalado na sala 2 do bloco. Enfermeiras e neuroanestesistas preparam os últimos pormenores antes da chegada da equipa que irá abrir caminho até ao tumor.
Às 10h30, tudo a postos. Os médicos entram na sala, braços em riste, luvas prontas a calçar, batas prontas a vestir. “Pode levantar um pouco a cabeça do doente?” O pedido verbaliza um pormenor que Victor Gonçalves, neurocirurgião e o maestro de serviço na sala, vê satisfeito de imediato. Por debaixo dos lençóis azuis, que escondem o doente, apenas a incisão, feita do lado esquerdo da cabeça, é visível. Ajeita-se a luz e dá-se a partida para uma maratona sem hora marcada para o final.
À volta do doente, médico e assistente começam a abrir caminho. Ao lado, uma enfermeira controla a mesa repleta de instrumentos. Mais atrás, a anestesista escrevinha numa folha de papel, enquanto uma segunda enfermeira verifica que nada está fora do sítio. Ao som do ‘Don’t Cry’, dos Guns N’Roses, começa o trabalho.
Cerca de uma hora depois, o bisturi dá lugar à broca e entra na sala a equipa de otorrinolaringologistas com uma missão: “alargar o campo de trabalho e permitir ao neurocirurgião ter mais margem de manobra”, explica Vítor Sousa, um dos elementos que emprestam o conhecimento conferido pela especialidade que dominam para um objectivo comum: ajudar o doente. “Cada um tem uma mais-valia o que, em conjunto, permite ter uma equipa óptima”, acrescenta Victor Gonçalves.
Por volta do meio-dia, a primeira equipa regressa à sala. No entanto, o tumor não quis facilitar a tarefa dos médicos e, já depois das 16h00, o trabalho de minúcia para retirar todos os vestígios da massa estranha continua.
Quase ao ritmo de um doente por semana, cerca de 40 por ano, a equipa ganhou a experiência necessária para enfrentar as situações. “Na Europa, há vários grandes centros que o fazem”, esclarece Luís Marques Pinto, otorrinolaringologista. São José junta-se a eles sendo, no País, o único com uma equipa do género.
“Tirámos tudo e preservámos o nervo facial.” As palavras de Victor Gonçalves, em jeito de vitória, são ditas já a noite se aproxima. O trabalho foi concluído com sucesso e o doente passa agora aos cuidados intensivos, onde se espera uma recuperação total.
TRABALHO CONJUNTO REDUZ CUSTOS
O trabalho conjunto de neurocirurgiões e otorrinolaringologistas permite, esclarece Vítor Sousa, “um melhor tratamento dos doentes, menor mobilidade e também um menor custo”. Reduzem-se as complicações, assim como o tempo de internamento. Ou seja, ganham os doentes e o hospital. Não é, pois, de estranhar que, neste momento, a equipa esteja a receber doentes de todo o País, Continente e ilhas, para realizar uma cirurgia que, há poucos anos, tinha de ser feita no estrangeiro. Um esforço que resulta de uma aposta dos médicos, a que se juntou o apoio da administração hospitalar.
Durante os 12 anos que já dura a colaboração entre neurocirurgia e otorrinolaringologia, a equipa operou 180 doentes e retirou inúmeros tumores, a maioria grandes, o que revela, dizem os especialistas, falhas no diagnóstico precoce. “Um zumbido persistente num ouvido, surdez de um lado ou alterações no equilíbrio devem levar a procurar um especialista”, alerta Luís Marques Pinto.
SAIBA MAIS
2006 foi o ano de maior actividade cirúrgica, com cerca de 30 intervenções. O neurinoma foi o tumor mais encontrado.
44 tumores de grau 4, ou seja, de tamanho considerado muito grande, foram retirados ao longo dos 12 anos de trabalho conjunto dos especialistas.
AVISO
São colocados sensores no doente que avisam (sinal sonoro) quando os médicos se aproximam do nervo facial.
RECUPERAÇÃO
À operação segue-se a recuperação, possível graças à capacidade de resposta do hospital.
Ver comentários
C-Studio