As 1001 formas de ver televisão

Inovações tecnológicas alteram hábitos de consumo e obrigam canais a adaptar-se a uma nova realidade. Produtores e espectadores são quem mais ganha

06 de julho de 2007 às 00:00
As 1001 formas de ver televisão
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Em Janeiro deste ano, Bill Gates, o patrão da Microsoft, afirmou que no futuro as pessoas se iriam rir-se da televisão de hoje. Na altura, o guru da informática referia-se às potencialidades da IPTV, por comparação com o sistema de emissão tradicional, mas as suas conclusões podem ser aplicadas a qualquer uma das novas plataformas que permitem ver televisão a qualquer hora e em qualquer local. Exagero? Talvez não. O slogan ‘eu vejo o que quero, quando quero, onde quero’ parece ter aplicação na vida de muitos telespectadores em todo o mundo e o número cresce a cada dia que passa. Mas como será o futuro da televisão em Portugal? Que implicações tem esta alteração dos hábitos de consumo na forma de ver televisão? E de que maneira esta mudança vai alterar o modo de fazer televisão?

'MY TIME'

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“O ‘prime time’ vai dar lugar ao ‘my time’”, avança o director da RTP Multimédia Francisco Teotónio Pereira. A expressão reflecte a “mudança no paradigma do consumo de televisão provocada pela passagem do sistema analógico para o digital”. “Na televisão actual impera a emissão sequencial em que o programador controla os conteúdos e a sua colocação em grelha de forma a gerar audiências. Com estas mudanças, a capacidade de controlo passa para o público - que vê o que quer, quando quer, onde quer - e passa a existir o ‘my time’. É o espectador que vai ao encontro daquilo que lhe interessa”, explica. Mas a alteração dos padrões de consumo de televisão terá, naturalmente consequências no mercado. “Isso vai alterar o modelo de negócio das televisões. Por exemplo, os blocos publicitários como os conhecemos hoje deixam de ter sentido”, diz o responsável.

"GENERALISTAS NUM BECO SEM SAÍDA"

“Os canais generalistas estão num beco sem saída”, afirma o crítico Eduardo Cintra Torres concordando com a opinião de Francisco Teotónio Pereira. A afirmação é sustentada pelas mudanças que o mercado televisivo irá sofrer. “A ameaça já aí está. As audiências mais dinâmicas, aquelas que garantem publicidade, fragmentam-se e mudam-se para outras formas de ver televisão. Quem vai ficar nos canais generalistas serão os mais velhos, os menos dinâmicos, e isso vai reflectir-se depois no interesse dos anunciantes”. Cintra Torres vai ainda mais longe e explica de que forma o consumo de televisão afectará a sociedade portuguesa: “O grande número de plataformas que permitem assistir a conteúdos televisivos terá um grande impacto, pois a utilização social destes aparelhos é diferente da do televisor. A TV é vista num local colectivo da casa, onde as pessoas ficam a receber conteúdos. As novas plataformas alteraram isso. A utilização passou a ser individual. No quarto, no posto de trabalho ou até nos transportes públicos, as pessoas assistem a conteúdos televisivos de forma individual, nem o som é partilhado. É uma maneira de ver televisão totalmente diferente”, defende.

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A CURTO PRAZO NÃO HÁ GRANDES MUDANÇAS

O professor de Comunicação Social Francisco Rui Cádima partilha a mesma opinião, mas defende que, a curto prazo, não deverão regista-se grandes mudanças no modo de ver e fazer televisão. “Os novos sistemas vão mudar radicalmente a forma como se viu televisão durante a segunda metade do século XX. Não sei é quando. Lembro-me que nos anos 90 havia previsões, algumas de figuras como o Umberto Eco, que diziam que até 2005 se realizaria essa mudança. Isso não aconteceu. Na essência, a televisão continua muito clássica”, afirma. No entanto, em relação ao futuro dos canais generalistas, Cádima considera que “vão ficar pelo caminho”. “Recordo-me de que durante os anos 80 e 90, as quatro estações generalistas dos EUA perderam metade do total das audiências para os canais do cabo”, sustenta.

GENERALISTAS PODEM SOBREVIVER

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Já Francisco Teotónio Pereira acredita que os canais generalistas podem sobreviver, mas terão de se adaptar às novas regras. “A estratégia é estar onde o público está e fazer chegar a esse público os nossos conteúdos de forma rápida, simples e com qualidade. Julgo que a tendência será a da omnipresença. A televisão vai acabar por ser um serviço que estará disponível em qualquer lado”, avisa. Na opinião do responsável da RTP, os canais generalistas não se encontram num beco sem saída, antes “numa encruzilhada”, da qual até podem sair por cima: “O público, perante a pulverização da oferta, vai-se sentir perdido. E aí os canais generalistas voltam a ganhar relevo pois possuem um património de credibilidade e ‘know how’ que permite dar ao público aquilo que ele exige”. Para Francisco Teotónio Pereira, este “será o ponto de partida para um novo modelo de negócio onde, mais que nunca, a marca [da estação televisiva] terá uma importância fundamental”.

PRODUÇÃO DE CONTEÚDOS

Sobre a produção de conteúdos, Eduardo Cintra Torres considera que a área também sofrerá mudanças: “Isso já se nota hoje em dia até. Estão a ser produzidos conteúdos mais curtos, que já são feitos a pensar nos ecrãs mais pequenos onde vão ser vistos. Por exemplo, os planos são cada vez mais fechados na cara do apresentador.” Por outro lado, e apesar de considerar que as novas plataformas democratizaram a produção de conteúdos, o crítico defende que essa possibilidade não terá o impacto anunciado: “Há demasiada utopia em relação à produção. Nem toda a gente quer fazer conteúdos. As pessoas vão continuar a querer consumir conteúdos como fizeram até agora.” Francisco Rui Cádima não corrobora esta opinião: “Há uma miscelânea de conteúdos a brotar destes universos que, numa nova era televisiva, vai alterar a lógica do mercado.” Sobre a questão, Francisco Teotónio Pereira reitera que “os conteúdos têm valências que dependem da plataforma, que, por sua vez, apresenta condições de consumo diferentes”. “Ninguém vai ver um filme no telemóvel. Isso não tem a ver com o conteúdo, apenas com a plataforma.”

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63,6 MILHÕES de subscritores de IPTV em todo o Mundo é a previsão do estudo da MRG para 2011. Actualmente há 570 operadores a disponibilizar este serviço.

MEIO MUNDO COM TELEMÓVEL

Três mil milhões. É o número de utilizadores de telemóvel a nível mundial, o que representa cerca de metade da população. Em Portugal há mais de 12 milhões para pouco mais de 10 milhões de utilizadores. A última novidade neste mercado, o iPhone, lançado no dia 29 de Junho, regista vendas superiores a mil unidades por hora.

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INFORMAÇÃO PIONEIRA

Os espaços informativos foram dos primeiros conteúdos a ser disponibilizados pelos canais generalistas fora das emissões tradicionais. Actualmente são, a par do entretenimento, dos conteúdos mais procurados pelos internautas e utilizadores de Mobile TV.

Na área multimédia, a SIC (do grupo Impresa) foi pioneira ao criar, em finais dos anos 90, a SIC Online, site onde rapidamente foram introduzidos vídeos e ‘live stream’ (transmissão em directo) das suas emissões.

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ESTAÇÕES RENDIBILIZAM SÉRIES

As grandes produtoras estão a rendibilizar as suas produções através dos telemóveis. Entre outras, a NBC criou um jogo baseado na série ‘Heroes’ e disponibiliza episódios da mesma e de ‘The Office’ a partir de dois euros por episódio. A FOX também adaptou ‘24’ a esta plataforma.

GATO FEDORENTO NA INTERNET

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‘Diz Que É Uma Espécie de Magazine’ foi um sucesso de audiências não só na RTP1 mas também na RTP Mobile e no site da estação pública. Os vídeos do quarteto de humoristas são dos conteúdos mais procurados nestas plataformas devido à curta duração dos mesmos.

CINEMA COPIA ESTRATÉGIA

O filme dos Simpsons, que estreia no dia 27 de Julho, está a ser promovido através da internet. O ‘trailler’ promocional foi lançado no site da família mais amarela do mundo e todas as informações relativas à película, dadas apenas por Matt Groening e Al Jean, foram dadas em fóruns na rede.

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O PRODUTOR (Piet Hein Bakker, director da EndemolPortugal / Idade: 42 anos)

“TERCEIRO PRIVADO SERÁ A MAIOR MUDANÇA"

- Que impacto terão as novas plataformas na produção de conteúdos?

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- Terão um impacto muito positivo. Pelo menos na perspectiva de uma produtora de conteúdos como é a Endemol. Cada plataforma vai precisar de conteúdos e alguém tem que os produzir.

- A Endemol está preparada?

- Nós já temos uma divisão específica para desenvolver produtos para outros meios para lá da televisão tradicional. Em Portugal o sector ainda está pouco desenvolvido mas já há algumas empresas que pertencem ao Grupo Endemol a trabalhar nesse sentido

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- IPTV, telemóveis, TDT, consolas... Poderão subsistir tantas formas de ver TV?

- Daqui a 20 anos a realidade do mercado será diferente. Mas não acredito que as televisões digitais vão dar cabo da televisão terrestre. Digo isto a pensar no longo prazo, porque nos próximos três a cinco anos a grande mudança vai ser o aparecimento de um terceiro canal privado, não vão ser as novas plataformas.

- Qual dos meios pode ser mais rentável?

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- Para já a televisão tradicional ainda é o meio mais rentável. Por exemplo, os operadores nacionais de telemóveis não têm orçamento para desenvolver conteúdos.

TELEVISÃO DIGITAL TERRESTRE É A PRÓXIMA NOVIDADE

ATelevisão Digital Terrestre (TDT), um sistema de distribuição de sinal televisivo baseado na difusão de sinal digital que irá substituir o tradicional, deverá dar os primeiros passos em Portugal ainda neste ano. O concurso para a exploração do serviço está a ser coordenado pela Autoridade Nacional para as Comunicações (ANACOM) e já cativou o interesse de pelo menos 10 grupos empresariais nacionais e estrangeiros: Portugal Telecom, Sonaecom, AR Telecom, TDF, Retevisión, RTP, Impresa, Prisa, Cofina e Controlinveste. A decisão será conhecida nos próximos meses de forma a poder efectuar-se as primeiras experiências ainda neste ano. O processo de reconversão da rede está avaliado em entre 150 a 200 milhões de euros.

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NOVO CONCURSO

Após este período, será aberto um novo concurso em que serão atribuídos os canais aos operadores de televisão. Nesse processoa SIC e a TVI já estão implicadas em virtude da atribuição das licenças de televisão que já possuem e que prevê a sua integração imediata assim que o sistema digital esteja em funcionamento. É nesta segunda fase do processo que está prevista a criação do quinto canal generalista, que será o terceiro de entre os privados. Alguns dos canais que actualmente estão a emitir através do cabo também deverão integrar o sistema TDT.

Actualmente a TDT já está implantada em vários países europeus. Em Espanha arrancou em Novembro de 2005, em França em Março do mesmo ano e em Itália ainda em 2004. Aliás, o executivo italiano anunciou recentemente que pretende ‘desligar’ o serviço analógico já em 2008, quatro anos antes do exigido pela União Europeia. Quando estiver disponível, a TDT vai permitir aos consumidores terem mais canais com maior qualidade de som e imagem, bem como aceder à internet. No entanto, a ‘set-top box’ indispensável para a descodificação do sinal digital custará cerca de 70 euros e, ao contrário de outros países, o Estado não deverá subsidiar a aquisição do aparelho.

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