"Para cumprir o Serviço Público é necessário ter, pelo menos, dois canais"

Alberto da Ponte defende a opção pela compra dos jogos da liga dos campeões e a linha de programas emitida na RTP 1.

06 de fevereiro de 2015 às 09:17
06-02-2015_09_15_59 alberto da ponte - bruno colaço.jpg Foto: Bruno Colaço
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Alberto da Ponte sai da RTP após 28 meses de presidência. Na hora de despedida, faz um balanço positivo e diz que o que o público quer ver na RTP 1 é ficção nacional, concursos, informação e desporto. Que balanço faz do seu mandato?

Muito positivo, melhor do que nós próprios poderíamos esperar, pelo menos até setembro de 2014.

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Hoje trocaria a Heineken pela presidência da RTP?

Fi-lo com muito sacrifício pessoal e financeiro…

Quanto perdeu?

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Na ordem das centenas de milhares de euros… Era muito bem remunerado [na Heineken]. Na RTP levo para casa cerca de quatro mil euros/mês, o que para a média do povo português é um belíssimo ordenado, mas, comparativamente ao que tinha, foi uma descida considerável.

Não se arrepende?

Não, porque conhecer o mundo do audiovisual é uma descoberta. Foi muito importante. Não estou arrependido.

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O Projeto Estratégico (PE) da nova administração diz que as audiências não devem ser uma prioridade. Já o Alberto da Ponte traçou um objetivo de 22% de share para 2015…

Suponho é que o PE obedece às linhas orientadoras que o Conselho Geral resolveu dar. Essas linhas, em 80 a 85%, são idênticas ao Plano de Desenvolvimento e Redimensionamento da RTP. Mas há um ponto em que vão frontalmente contra o que estava estabelecido: o crescimento da receita e a preferência do consumidor. Acreditamos em qualidade, mas tem de vir com audiências…

E essa qualidade é ter ficção em horário nobre e grandes formatos de entretenimento, tal como os privados nas noites de fim de semana?

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Nos estudos que fizemos perguntámos ao público o que ele quer. Na RTP 1 é ficção portuguesa, concursos, informação independente e desporto.

O Preço Certo é o programa com maior retorno de soft sponsoring em Portugal. Está na RTP por dar retorno ou por ser serviço público?

Está na RTP por ser um programa de serviço público que agrada ao público.

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Serviço público não é igual a agradar ao público…

Não posso agradar só às pessoas que gostam de ópera, de teatro, de séries dinamarquesas, de um desporto amador…

Isso é a grelha da RTP 2…

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É o princípio da universalidade e da diversidade… o problema pode vir mais atrás. É preciso serviço público?

É?

Eu tinha uma opinião diferente e hoje acho que é. Agora, se não tiver audiências, a RTP não tem razão de existir.

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O operador público deveria estar no mercado comercial?

Pode e deve em parte ser financiado pelas receitas comerciais. Em 18 países europeus há duplo financiamento. A alternativa seria aumentar a Contribuição Audiovisual (CAV). E não foi essa a opção do acionista.

E não o choca o apelo às chamadas de valor acrescentado?

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Não, não me choca ver isso no canal público. A partir da altura em que está regulado, é uma receita perfeitamente legal, responsável e que se justifica.

Sendo públicos os problemas orçamentais da RTP, é normal investir 15 milhões em jogos da Liga dos Campeões?

A RTP deve investir sempre que haja retorno.

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Mesmo sabendo que os espectadores iam ver esses jogos num canal aberto, já que a TVI assumia os encargos?

Perfeitamente. Ao contrário de outros programas que temos, que não são autossustentáveis, aqui não é preciso ir à CAV buscar esse dinheiro.

A RTP 1 teve custos de grelha de 67,3 milhões em 2014: 80% do orçamento total de grelha para TV. Justifica-se um canal ficar com o bolo quase todo?

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Em velocidade de cruzeiro não. Mas é preciso ir ao passado. Quando chegámos em 2012, a RTP 2 era para não existir em 2013. Se me perguntar qual dos canais saiu mais prejudicado com isto tudo, foi precisamente a RTP 2, pelo simples facto de que estava para não existir…

A RTP 2 recebeu 4,7 milhões no ano passado. É um canal com pouca produção...

Tem muito produto importado...

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Justifica-se uma RTP 2 como temos atualmente?

Justifica, claro. A RTP 2 tem uma função fundamental em determinados segmentos da população. Não só no desporto, como na cultura, na sociedade civil...

A RTP ganhava com apenas um canal de serviço público?

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Não. Para cumprir o serviço público é necessário ter, pelo menos, dois canais.

Continua a defender a RTP Informação e a RTP Memória em sinal aberto?

Mantenho, mas quando se conseguir financiar.

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Quanto é que iria custar?

Poderia ter um custo total entre dez a doze milhões por ano.

Se houvesse mais canais na TDT para a RTP, SIC e TVI, isto não fecharia a oportunidade a novos operadores?

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Se for para abrir a TDT e torná-la algo de mais eficiente, diversificado e moderno, então tem de ser para todos, não se pode privilegiar só a RTP e os operadores privados… Se se entender que a TDT deve ser melhorada e não ser a pobreza que é hoje, em que muitas das pessoas não conseguem ver sequer TV, então é necessário abrir a qualquer operador que queira entrar.

O novo contrato de concessão da RTP fala em quatro novos canais. A RTP tem condições para isso?

Com o financiamento atual é completamente impossível vir a ter mais quatro canais.

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Desde 2003, a RTP recebeu dos contribuintes mais de 4,1 mil milhões de euros… O que acha deste valor?

É exagerado, é muito elevado, é tudo isso. Mas, atualmente, o que entra nos cofres da RTP são 165 milhões de euros/ano, o que dá 19 euros por cidadão. 

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