Venha de lá esse beijo!

Beijos tímidos. Inocentes. Ousados. A ficção está povoada de beijos. Mas que mistérios envolve uma cena de beijo? Actores e realizadores pronunciam-se sobre a técnica e a magia do beijo.

11 de fevereiro de 2005 às 00:00
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“O beijo era um momento especial, mágico. Antigamente ficava-se à espera do final do filme para ver a cena do beijo”, recorda Manuela Maria, actriz e directora de actores da NBP. Mas isso era antigamente. Hoje, como diz José Pedro Vasconcelos”: “Não há grande mistério à volta de um beijo”. Outra actriz, Maria João Luís vai mais longe: “Há tantos, tantos, tantos beijos na nossa ficção... Se havia um défice de beijos, agora há uma overdose”.

O beijo banalizou-se. Na tela e no pequeno ecrã. Pela simples razão de que a ficção imita a realidade. “Há 50 anos, a censura não permitia que se beijasse como hoje se beija. Ninguém ficava meia hora a dar um beijo. Nem na rua, nem na ficção”, assegura Manuela Maria.

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Há dez anos que a conhecida actriz ensina aos seus pupilos que “quem beija não é o actor, é a sua personagem”. Mas avisa, que os beijos na ficção são a sério. “Ninguém foge ao beijo. Vê-se bem que não. A câmara não esconde nada.”

O BEIJO TÉCNICO

À representação do beijo, ou seja, ao empréstimo de sentimentos do actor à personagem, os profissionais portugueses chamam ‘beijo técnico’. Expressão que parece ter começado a ser utilizada com a importação das novelas brasileiras e a chegada a Portugal de actores e realizadores daquele país. Mas o conceito de beijo técnico não é consensual. Enquanto a maior parte dos actores portugueses ouvida pela Correio TV acha que a expressão qualifica todo o beijo representado, outros há que partilham o conceito brasileiro do termo. Ou seja, há beijo técnico, quando não há contacto de língua.

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Rita Seguro, a apresentadora de ‘De Luxe’ Xana, em ‘Baía das Mulheres’ garante: “Nos beijos que vou trocar com o Tiago (Marco d’Almeida) há apenas um toque de lábios”.

Como Rita Seguro se estreou nesta novela da TVI e não tinha qualquer formação na área da representação, quisemos saber como se desenvencilhou ao gravar o seu primeiro beijo.

“Não houve necessidade de questionar o realizador porque as cenas não iriam ter nada de tórrido. Mas tinha alguma curiosidade em saber como se fazia e perguntei a pessoas mais próximas. O que tem de passar para o público é que se trata de um beijo verdadeiro”, diz Rita Seguro.

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TRABALHO PROFISSIONAL

Também Danae Magalhães era uma jovem inexperiente quando se estreou em ‘Sonhos Traídos’, na TVI: “Depois de ouvirmos as recomendações de Atílio Riccó, realizador, e Lucinda Loureiro, directora de actores, eu e o meu colega de contracena decidimos que se tínhamos de nos beijar, fá-lo-íamos da maneira mais profissional possível. Foi impossível não haver contacto físico. Apesar do ambiente de alguma tensão, foi um beijo técnico, porque não envolveu sentimento, desejo”.

Maria João Luís partilha da opinião: “Um beijo entre duas pessoas que não têm nenhuma relação de afecto e cujo trabalho é serem actores e representar personagens, é um beijo técnico. Deve haver casos em que é com a língua, mas a importância é a mesma”, explica.

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Quem não pensa assim é a modelo brasileira Daniella Cicarelli, noiva do futebolista Ronaldo. Depois de ter contracenado com Reynaldo Gianecchini na novela ‘Filhas da Mãe’, disse numa entrevista à ‘Playboy’: “Eu não o conhecia antes. E quando o tive de beijar fiquei sem graça. Mas rolou numa boa. E o meu beijo técnico é bem técnico. Um beijo ‘não técnico’ tem língua. Na televisão, um beijo sexy, vaporoso tem de ser sem língua. Nenhum realizador vai dizer: ‘Beije como beija normalmente’. Até treinei. No espelho!”.

SEM EMOÇÃO

Outra adepta do beijo técnico é Vanessa Giácomo, a Zuca de ‘Cabocla’. Numa entrevista à imprensa brasileira avisou que tanto Daniel de Oliveira (Luís Gerónimo) como Malvino Salvador (Tobias) seriam sempre beijados “sem língua”.

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A jovem actriz Joana Solnado, que se estreou em ‘Morangos com Açúcar’ e que, dentro de dias, vai trabalhar para o Brasil integrada no elenco da telenovela ‘Como Uma Onda’ diz: “Quando trabalho só dou beijos técnicos, beijos que não envolvem sentimento, emoção. Quem beija não é a Joana Solnado é a sua personagem. É fundamental fazer a distinção entre o lado pessoal e o profissional”, sublinha.

Já a actriz portuguesa Ana Afonso faz as coisas na perfeição e sem dificuldades. Numa, entrevista à ‘TV Guia’, afirmou que quando tem de beijar, fá-lo “na boa”. “Beijo o colega como se fosse meu namorado. Se não for assim, o trabalho fica mal feito”, assegura. Até porque. Como explica a actriz brasileira, Carolina Dieckman, que interpreta o papel de Isabel em ‘Senhora do Destino’, “a língua dá realidade à cena”.

João Didelet também acha que “nas cenas mais tórridas” é preciso ir mais além do que o simples toque de lábios. E “a menos que o casal de actores se conheça bem e tenha alguma confiança um no outro”, a cena do beijo é sempre aquela que “todos desejam que fique gravada à primeira”, explica o actor.

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Hugo de Sousa, de 27 anos, um dos realizadores de ‘Morangos com Açúcar’, é mais flexível: “Há situações em que a cena pede língua, outras não. Se houver, a cena vai parecer mais real. Mas isso depende dos actores, do seu relacionamento, do grau de cumplicidade que existe entre eles. Qualquer profissional o faz sem problema nenhum, mas prefiro deixar ao critério deles desde que a cena resulte”.

Adelaide João, que integra o elenco de ‘Batanetes’, não tem dúvidas: “Tem de haver contacto físico, não pode haver simulação. Quando se beija, dá-se mesmo um beijo... Sim, eu sei que esta é uma profissão de doidos, mas é a melhor profissão do Mundo”.

José Pedro Vasconcelos, colega da Adelaide João na série, explica que o beijo técnico é “como o soco técnico”. “Em cena, o beijo é entre dois profissionais. Claro que há histórias de pessoas que se apaixonam, outras que se odeiam e têm de se beijar, outras que têm mau hálito. Mas tenho tido a sorte – ou o azar – de nunca ter dados muitos beijos em trabalho. Nunca me tocou muito esse género de serviço. Mas posso dizer que é um trabalho difícil de fazer porque envolve proximidade e contacto físico.”

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A propósito do beijo técnico, e entre os muitos episódios que sucederam na sua longa carreira, Atílio Riccó, o realizador de ‘Morangos Com Açúcar’, relembra um passado há 15 anos quando dirigia uma novela: “A primeira cena do dia era a do beijo. O actor chegou e esperou pela colega que veio atrasada e alcoolizada. Vendo-a naquele estado o actor disse-me: ‘Neste estado não a beijo. Não sei o que ela andou fazendo a noite inteira...’. Expliquei-lhe que íamos então fazer o beijo técnico. Mesmo assim ele disse: ‘Tudo bem, mas, primeiro, ela vai escovar os dentes’. Depois dirigiu-se à colega e afirmou: ‘Se você abrir a boca, interrompo a cena’”. Legitimando a posição do actor, Atílio Riccó afirma: “Ele era um homem casado, com filhos, profissional, chegou asseado e pontual ao estúdio... acho que estava no direito de se preservar”.

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