E mostra como a TV, a pílula e a minissaia agitaram a vida dos portugueses. A produção é a mais cara do canal público.
Carlos Lopes tem 45 anos. É o narrador de ‘Conta-me Como Foi’, a série que a RTP 1 começa a exibir este domingo a partir da adaptação de um bem sucedido formato espanhol. É ele que, de forma bem-humorada, conta como foi, ao longo de 26 capítulos, o Portugal da sua infância. Decorria o ano de 1968 e o garoto recorda o dia em que o primeiro televisor, comprado a prestações, entrou em casa da família e ganhou lugar de destaque na sala. Carlos, então com oito anos, e os irmãos Tony e Isabel, a avó Hermínia ainda abalada pela recente viuvez e os pais António e Margarida – a família protagonista – deixaram-se hipnotizar pelas imagens que corriam velozes no ecrã a preto e branco, e os anúncios, as músicas do Festival da Canção...
Naquele tempo, as compras eram feitas na Baixa. Adquirir um par de sapatos era uma festa que acontecia uma vez por ano. E, aos domingos, os Lopes juntavam-se para ir ver as monstras. Ou as iluminações de Natal. A incursão aos saldos era um acontecimento. Chegado o Verão, as idas à praia organizavam-se com antecedência e aparato. À mesa abundavam as couves e o feijão, o peite frito e o bacalhau. Chegariam depois os lacticínios e outras iguarias como os primeiros iogurtes e o tulicreme! Mais tarde a máquina de lavar roupa para descanso da mãe Margarida e da avó Hermínia, sempre fintadas pelas faltas de água que eram uma constante em Lisboa. O alvoroço familiar instalou-se depois, quando a irmã Isabel aderiu descaradamente à minissaia e, à socapa, à pílula... Carlos, o pequeno herói desta série da estação pública, recorda também o dia em que a televisão, num comunicado cinzento e lacónico anunciou a hospitalização do chefe supremo da nação, António Oliveira Salazar, após a queda de uma cadeira.
HISTÓRIA DE PORTUGAL NOS ANOS 68 E 69
Ao longo de 26 capítulos, com cerca de 60 minutos cada, desfilará a História de Portugal nos anos 68 e 69 vista e filtrada pelo olhar fantasioso, terno e algo irónico de um menino de oito anos, papel interpretado por Luís Gamito, de 10 anos. Muitas das imagens desta ficção são reais. Recorrendo ao valioso arquivo da RTP e a uma técnica designada por croma poderemos ver, por exemplo, o actor Miguel Guilherme, na pele de António Lopes, sentado entre a assistência de um jogo do Benfica da Taça dos Campeões em 1968. Este trabalho de pós-produção encareceu a série cujo valor global ultrapassou os 2 200 milhões de euros.
Carlos é o filho mais novo de António Lopes (Miguel Guilherme), funcionário público, cujo zelo foi premiado com a atribuição de casa no bairro social, e de Margarida (Rita Blanco), costureira. Nesta história adaptada a seis mãos por Helena Amaral, Isabel Fraústo e Fernando Heitor, o casal Lopes tem mais dois filhos: Tony (Fernando Pires), de 18 anos, que prepara a entrada na universidade, e Isabel (Ana Brütt), de 20 anos, cabeleireira no movimentado salão do bairro. Com os Lopes vive ainda a avó Hermínia (Catarina Avelar) que a solidão da viuvez empurrou para Lisboa.
Em ‘Conta-me como Foi’, cujo sucesso em Espanha mantém a série em exibição desde Setembro de 2001 – data da sua estreia na TVE 1 –, os Lopes, que em Portugal simbolizam a classe média em ascenção, não medem esforços para melhorar o nível de vida da família. “Eu sou uma costureira vagamente ambiciosa, o que não era muito comum numa época em que a vida era tão difícil que a maior parte das pessoas não se atrevia sequer a ter ambições. E esta mulher, apaixonada pela família e impetuosa, vai inventar muitas maneiras de se fazer à vida”, explica Rita Blanco falando da sua personagem Margarida Lopes.
DESTINADA A DIFERENTES PÚBLICOS
Depois de ter protagonizado grandes êxitos da ficção portuguesa, como a série ‘Médico de Família’ (SIC) e a novela ‘Tempo de Viver’ (TVI), a actriz gostaria de repetir a façanha em ‘Conta-me como Foi’: “A série tem o casal, o filho pequeno, os adolescentes, a avó... esta estratificação etária vai agarrar diferentes públicos”.
O marido de Margarida, António Lopes, é funcionário público e depois de encerrar o expediente no Ministério das Finanças corre para a tipografia do bairro, o seu segundo emprego. Miguel Guilherme, actor que dá vida a esta personagem, diz que a “nostalgia está na moda” e a recriação dos anos 60 em ‘Conta-me como Foi’ pode ser a garantia do sucesso da série. Mas avisa que a estação “tem de ter uma estratégia” para a sua exibição, agendada para os serões de domingo. E isso passa por “repetir episódios ao longo da semana”. A vertente didáctica desta grande produção é sublinhada pelo actor: “Ao inserir uma família num tempo e num espaço social e político, esta série vai permitindo uma aprendizagem que não é aborrecida nem pesada”.
Catarina Avelar, no papel de avó Hermínia, mostra-se entusiasmada com o projecto que “vai mostrar às gerações mais novas o peso das proibições da ditadura”. Vinda da província, Hermínia, que sempre achou Salazar “bonzinho e protector”, tornar-se-á amiga inseparável de outras duas moradoras do bairro: Vitória (Margarida Carpinteiro), também viúva, e Emília (Mariema), a solteirona, que apanha malhas nas meias de vidro de senhora. Na rua Daniel Ferrer, onde moram, nada escapará ao olhar atento e coscuvilheiro deste trio de vizinhas.
ADAPTAÇÃO DE ORIGINAL ESPANHOL
Maria João Abreu, José Raposo, João Maria Pinto, Luís Alberto, José Pinto Ramon Martinez, Filipe Vargas e Figueira Cid são outros dos actores que integram o elenco desta série que começou a ser gravada a 15 de Janeiro. A adaptação do original espanhol foi realizada por Helena Amaral, Isabel Fraústo e Fernando Heitor, o grupo de guionistas ‘Cartas de Amor’ também autor dos textos de ‘Dança Comigo’, a Gala dos 50 anos da RTP, das telenovelas ‘Fúria de Viver’ e ‘O Jogo’, ambas exibidas na SIC, e a série ‘Cuidado com as Aparências” (RTP 1).
O grupo de guionistas que admite ser mais “fácil e agradável criar do que adaptar”, sublinha que o conceito da série não foi alterado: “Estamos diante de uma ficção. Não transformámos uma série ternurenta baseada na história de vida de uma família muito específica num tratado sociológico dos anos 60”. Helena Amaral e Isabel Fraústo ressalvam que neste trabalho de adaptação, que procurou ser “fiel” ao original, foram introduzidas alterações impostas pela realidade portuguesa que é diferente da espanhola. Um exemplo é o da apanhadeira de malhas das meias de vidro, personagem que foi criada especificamente para a série portuguesa. Ou o Dia de Reis que não sendo comemorado em Portugal foi, na produção, substituído por outra situação.
CENÁRIO ERGUIDO AO AR LIVRE: RUA RECRIA ANOS 60
Nos estúdios da RTP, na Abrunheira, Sintra, onde é gravada ‘Conta-me como Foi’, cenários, figurinos, adereços, penteados e maquilhagens, tudo foi executado ao pormenor. Na rua, ergue-se o bairro cenográfico do Estado Novo que levou dois meses e meio a construir. É aqui que vivem os Lopes. E na rua Daniel Ferrer não faltam os automóveis e as bicicletas da época, o quiosque, a mercearia, a cabeleireira e o café. Na sala de aula sobressaem as carteiras de madeira e o quadro de ardósia ladeado pelas fotografias de António Salazar e Américo Tomás.
Os interiores foram construídos com recurso aos trabalhos de carpinteiros, às compras e ao aluguer de peças antigas. Para rentabilizar o “avultoso investimento” feito nos cenários, a série deverá prolongar-se à semelhança do que aconteceu em Espanha onde vai já na 8.ª temporada.
A CONSULTORA HELENA MATOS: O RIGOR HISTÓRICO
Peça chave na série foi a jornalista Helena Matos, que fez o levantamento histórico da série. Dos acontecimentos sociais aos políticos, dos objectos aos diálogos, tudo foi minuciosamente pesquisado. “Levei ano e meio a estabelecer a cronologia deste projecto para se perceber o que aconteceu em Portugal e no Mundo naquele período. Só depois se seleccionou o que entraria na série”, explica a autora de dois livros sobre a propaganda do Estado Novo. Nada escapou ao seu olhar: a doença de Salazar, os militares feridos na guerra, as especulações sobre se se enriqueceria em África...
“Se há factos e situações claramente presentes no enredo, outras há, como a greve da Carris [1968], que, por ter sido censurada, só entrou na ficção através das conversas das personagens. Portugal era um País onde o Governo aparecia pouco e sempre de forma muito institucional. Os blocos informativos resumiam-se ao anúncio do novo investimento, da inauguração ou do programa do Governo. E sobre a guerra em África não havia reportagens, apenas comunicados.”
NUNO SANTOS E JOSÉ EDUARDO MONIZ DISPUTARAM O ORIGINAL
ARQUIVO FEZ DESISTIR TVI
Os directores da RTP 1 e TVI, Nuno Santos e José Eduardo Moniz, anunciaram em Abril de 2004 a produção de ‘Cuenta-me como Pasó’. Ambos os canais adquiriram os direitos no MIPCOM, só que a TVI (através da NBP) fê-lo junto da TVE (canal público espanhol que exibiu o formato) e a RTP (através da Fábrica de Imagens) com a produtora Ganga.
Ambas as empresas podiam licenciar o produto “e a NBP até tinha o acordo mais firmado”, explicou São José Ribeiro, directora de ficção da RTP 1. Chegou a avançar-se com uma providência cautelar, mas o prazo de ‘reserva’ terminou sem que a TVI iniciasse a produção, “pelo que foi a própria TVE que contactou a RTP”. “A série exige imagens de arquivo, o que obrigaria a TVI a comprá-las à RTP e encareceria muito a produção”, referiu. Monteiro Coelho, relações públicas da TVI, confirma que o “custo não justificava o investimento”.
5.887 milhões de espectadores viram a série na TVE (31,7% de share)
‘Cuenta-me como Pasó’ recebeu vários prémios, entre os quais o de Melhor série Nacional, em 2004. Também o trabalho dos actores Ana Duato e Imanol Arias foi distinguido.
Canal: RTP 1
Dia: Domingo, 22
Hora: 22h30
Formato: Série
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