Aos 86 anos, ator passa em revista alguns dos momentos mais importantes da sua vida.
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Ainda no início do mês de setembro atuou no Coliseu dos Recreios, em Lisboa. Que fascínio é que ainda sente pelo palco, aos 86 anos?
O palco vai ser até morrer. Não sei fazer outra coisa. Eu podia ter no meu currículo umas 200 peças de teatro feitas, mas só devo ter para aí umas 50 porque sempre que me contratam eu acabo por ficar em cena durante anos.
Já são quantos anos de palco?
Faço agora 62. Estreei-me em Lourenço Marques, em 1963, mas nunca comemorei. Várias vezes me desafiaram para celebrar as datas redondas, mas eu quero lá saber disso. Eu quero é continuar a trabalhar.
E continua a ter muito trabalho?
Hoje está mais difícil mas apenas porque eu já não trabalho por 700 paus, nem sequer por 1500 por mês.
O teatro é a sua grande paixão?
Sim. É onde ganho menos, mas onde mais gosto de estar.
E ainda sente algum nervoso antes de subir ao palco?
Não (risos) hoje já não. Durante muitos anos tive, mas hoje o que sinto mais é o peso da responsabilidade e o medo de falhar.
Mas é daqueles que cumpre algum ritual antes de subir ao palco?
Eu não sou católico, nem religioso, mas tenho um crucifixo [abre a camisa para mostrar o fio] e costumo pedir a Deus que me ajude. E bato três vezes na madeira. A verdade é que me corre sempre bem.
Esse crucifixo é o tal que o salvou da morte?
Eu trago comigo dois crucifixos, um que tenho desde que nasci e outro que vem do tempo da guerra, quando fui operado depois de ter levado um balázio mesmo ao lado do coração. Lembro-me que não sabia onde estava, sem conseguir respirar e só ouvir o médico gritar "dá-lhe ar!, dá-lhe ar!". Nisto, vem uma enfermeira, debruça-se sobre mim para meter qualquer coisa na minha boca e caiu-lhe o crucifixo do pescoço. Por instinto eu agarrei-me a ele comecei logo a respirar. Depois de lhe contar o sucedido, ela ofereceu-me a cruz.
Essa foi a única vez que enfrentou a morte?
Não. Há uns vinte anos, fui todo aberto no Sta Maria, para me tirarem um tumor e já depois disso fiz radioterapia à próstata numa situação que também me assustou. Mas hoje reconheço que estou bem para a minha idade, quer do ponto de vista físico quer mental. Ando, corro às vezes e fumo charuto (risos). Acabei com os cigarros há uns quinze anos, depois de ter começado a fumar aos treze. Agora fumo um charuto por dia, metade ao almoço, metade ao jantar (risos).
Mas costuma pensar na morte?
Não. E das poucas vezes que falo nisso, digo sempre a mesma coisa: gostava de morrer a dormir.
Voltando ao trabalho e apesar de fazer muito teatro, o Vitor desapareceu da televisão. Porquê?
Já desapareci há muitos anos. A minha história com a televisão é um bocado trágica. Nunca me dei bem com eles, principalmente com a TVI.
Porquê?
A TVI quando começou era da Igreja e como eu não sou religioso as minhas experiências não me deixam saudades. Quando comecei na Renascença, por exemplo, as minhas canções eram todas censuradas, julgo eu que devia ser por falarem de amor. Uma delas foi-me escrita pelo Ary Dos Santos e penso que até foi mais por causa disso.
Fala de uma relação trágica com a televisão, mas o Vitor Espadinha teve um dos programas de maior sucesso nos anos de 1980, na RTP, que ficou conhecido como o 'Roda o Palco'!
Pois, e foi nessa altura que conheci o pior profissional com quem me cruzei na vida, o José Eduardo Moniz, que foi depois para a TVI. Era tipo o Silva Pais da PIDE. Havia um jornalista muito conhecido que lhe chamava Diretor Geral de Informação, de Programas, da Cantina e dos Urinóis. Havia uma rubrica no tal programa do 'Roda o Palco' em que os concorrentes tinham que adivinhar a figura em destaque à mediada que iam aparecendo os olhos, a testa, o cabelo e por aí fora. A determinada altura passei a fazer aquilo com políticos. Ora o Moniz foi logo ter com o meu produtor para lhe dizer que políticos tinham que ter a sua concordância. Claro que eu fiz o contrário. Lembro-me que um dia proibiu o Lucas Pires [histórico do CDS] e eu avancei com ele na mesma. A partir dali arranjei um inimigo para a vida. Há uns anos, ligou-me uma produtora da Plural [produtora da TVI] a dizer que tinha um trabalho para mim, para gravar em Sesimbra. Acertámos os valores, ela enviou-me as falas e no dia das gravações, estava eu já no carro a caminho de local, quando me ligaram a dizer que o José Eduardo Moniz tinha sabido da minha participação e tinha dito logo: "Esse gajo não!". Tive de voltar para trás. Para além de não fazer nada para a TVI, a verdade é que a RTP também não me chama há uns trinta anos e a SIC nunca mais me convidou, talvez por eu ter recusado uma vez um trabalho cujo cachet não me agradava.
E tem pena de não ter hoje espaço na televisão?
Tenho. As pessoas quando me encontram, perguntam-me muito por isso, mas eu já não sei o que hei-de dizer. Eu sei que na televisão se tem mais visibilidade e até desconfio que as pessoas que não vão ao teatro, até devem julgar que eu estou reformado.
Já que fala nisso, alguma vez estabeleceu para si uma retirada dos palcos?
Não. Eu tenho 86 e sei que se tiver vivo aos 90, 95 ou 100 anos vou estar de certeza a trabalhar. A menos que tenha algum problema sério de saúde que me incapacite.
Já falou de teatro e de televisão. E a música que foi outra das suas grandes paixões?
Eu não posso dizer que a música seja uma paixão. Na verdade ela apareceu por acidente. Acho que nem nunca contei isto a ninguém. O Raul Solnado tinha, na RTP, um programa chamado 'A Visita da Cornélia' e convidou-me um dia para reproduzir um número que eu fazia em teatro que era de palhaço. O Tozé Brito que era meu amigo, disse-me: "Epá, giro era tu fazeres isso a cantar!". E então escreveu-me uma canção chamada 'Palhaço até ao Fim', que para mim é a canção mais bonita que tenho. Não é a mais comercial, mas é a mais bonita. Ora aquilo na 'Cornélia' foi um sucesso tal que a Universal veio buscar-me para gravar. De repente tinha dois discos para fazer de contrato e foi quando o Tozé Brito me escreveu o 'Recordar É viver'. Curiosamente o administrador da altura ouviu e disse que aquilo era "uma merda", "ainda pior do que o palhaço". Mas como havia um contrato teve que se lançar a música. Passados 15 dias, aquilo começou a vender de tal forma que até o saudoso Carlos do Carmo disse: "Epá este gajo não vem para aqui vender discos, vem vender bolachas!". O disco vendeu tanto que até o tal administrador me ofereceu um carro, uma carrinha citroên dois cavalos. Com o 'Recordar É Viver' vendi mais de um milhão de discos e foi com o dinheiro que ganhei que também comprei a casa onde hoje vivo.
Mas nunca parou de gravar!
Eu gravei quatro discos e neste momento tenho um single para gravar quando quiser.
Já disse uma vez que o maior erro da sua vida foi quando decidiu deixar Londres para onde tinha ido depois de Lourenço Marques. Porque é que foi um erro?
O meu sonho sempre foi ir para Londres fazer teatro, mas antes lavei muitos pratos e trabalhei em vários restaurantes. Eu tenho 12 anos de Inglaterra. No dia a seguir ao 25 de abril apareceu-me lá o Vasco Morgado a desafiar-me para levar uma peça para Portugal que estava em cena por lá, que era o 'Pijama Tops'. Eu que já estava muito por dentro do meio em Londres e até tinha uma namorada muito famosa, mas da qual não posso dizer o nome, voltei. Trouxe essa peça para Portugal para o capitólio com o nome de 'Mostra-me a tua Piscina'. Foi a pior decisão da minha vida, porque depois de dois anos a esgotar, sem folgas, quando acabou a peça, fiquei desempregado. Tenho a certeza que se tivesse ficado em Inglaterra tinha feito uma carreira internacional fenomenal. Eu de facto tinha muito jeito para o teatro.
E esse jeito vinha de quem?
Não faço ideia. Eu só sei como é que nasceu o desejo de ser ator. Foi a ver os filmes do Jean Gabin. Eu vivia na Madragoa e aos 12/13 anos ia ao Cinearte, onde é hoje a Barraca. Quando comecei a ver os filmes franceses do Jean Gabin, ficava extasiado. Com aquela idade já desejava ser como ele e nunca mais quis ser mais nada. O meu pai ainda me meteu em agronomia, mas os meus rabanetes saiam todos podres.
E nenhum dos seus cinco filhos seguiu esta sua veia!
Não. Tenho uma filha inglesa que trabalha em artes gráficas e outra que é pintora. O meu filho mais velho é DJ em Londres, o meu mais novo é médico e ainda tenho outra filha que tem uma loja de lembranças.
Já falou da namorada famosa inglesa. Foi uma homem de grandes paixões?
Fui. Tenho comigo até hoje uma frase do filósofo inglês Bertrand Russell que nunca mais esqueci: "Eu compreendo que um homem goste de outro homem mas não compreendo que um homem não goste de uma mulher". Sempre fui dado às mulheres, mesmo nas relações de amizade.
E concretizou todas as suas paixões?
Acho que a única que falhou foi uma rapariga de quem gostei muito aos 15 anos.
E já está com a sua atual mulher há muitos anos!
Sim, já são 43, mas nunca casámos. Às vezes, quando precisamos de provar a união de facto lá vamos nós incomodar os vizinhos.
E como é que começou esta história de amor!
Deixa ver se me lembro (risos). Ele andava a estudar medicina e eu conheci-a num bar em Cascais que era o Yellow Submarine. Ela apareceu com uma amiga e aquilo pegou logo. Até hoje.
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